#AutismChallenge - o desafio na gestão da crise. Por Flávia Ferreira.

Na última semana, um desafio tomou conta do Tik Tok, o #AustismChallenge – com o objetivo de conscientizar sobre o transtorno. Mas, como já seria de esperar, a iniciativa foi distorcida e passou a divulgar conteúdos que tratavam com desrespeito aspectos físicos dos autistas, zombando e intimidando as pessoas com deficiência – especificamente aquelas com autismo.

Para aqueles que não viram os vídeos, eles mostram pessoas fingindo convulsões, andando de maneira atípica e muito mais nojenta. Para adicionar insulto à lesão, muitos desses vídeos foram gravados com o áudio da música de paródia ‘Let Get Retarded’.

Os contatos iniciais com a plataforma pelos defensores do movimento autista não geraram resultado junto a Tik Tok e, enquanto isso, o desafio ganhava ainda mais força. Foi somente quando os defensores da causa se juntaram para viralizar um conteúdo em crítica sobre a postura da empresa e explicando os problemas do desafio é que se obteve resposta, que, em resumo, dizia que a ação não refletia os valores da empresa e que era contra o código de conduta descrito nas diretrizes da comunidade. O Tik Tok removeu o vídeo original, e um outro movimento de conscientização, o que era o objetivo inicial, surgiu na rede.

A resposta demorada da empresa, que ignorou a crise gerada nas demais redes, como Twitter, gerou matérias em jornais e mobilizações de grupos de ativistas como a Câmara de Educação Física Adaptada e Inclusiva (CEFAI) que, em nota, pontouo:

‘A Câmara de Educação Física Adaptada e Inclusiva vem, por meio desta, repudiar com veemência um desafio que se tornou popular na rede social TikTok nessa semana, no qual usuários utilizam formas capacitistas zombando de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Representantes da rede social disseram, de forma absurda, que a intenção era conscientizar sobre o autismo. No entanto, usuários passaram a usar a hashtag com conteúdos cruéis.

Atitudes como essas ferem os direitos humanos previstos em legislação nacional e internacional.

Os autores dos vídeos e o divulgador dos mesmos cometem crime previsto no artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Por fim, reiteramos nossa indignação e manifestação de repúdio a essa prática perversa e covarde, visto que nosso maior objetivo é proporcionar subsídios para auxiliar os profissionais de Educação Física a ofertarem uma intervenção de excelência à Pessoa com Deficiência, na busca por uma sociedade mais empática e plural!’

Não sei se lembram, mas na terça-feira passada eu publiquei um artigo aqui tratando justamente da gestão de crises nas redes sociais. Nele eu citei que o processo de gerir crises já é difícil nos canais off-line, mas ficou ainda mais difícil com as redes sociais e a cultura participativa atrelada a ela, pois o consumidor passou a ser ativo no processo de construção de uma marca, de forma positiva e negativa. O maior erro das organizações está em não levar em consideração esse fator no seu processo de planejamento, ocasionando um despreparo para lidar com situações extremas, como temos visto em escalas mundiais nos últimos dois meses, impulsionados pela política do isolamento social e pela própria política brasileira.

Bom, embora a empresa não tivesse como adivinhar o surgimento deste desafio, não é segredo o que precisavam ter feito para gerir melhor o impacto desta ação na imagem da empresa. Basicamente, mostrar humanidade nas respostas e atender às reclamações publicadas nas plataformas, o que poderia ser feito por meio de um trabalho de monitoramento de menções e marcações.

Mas aí você pensa: se os vídeos ofensivos foram apagados, está tudo resolvido, não? Não, pois mesmo que eles tenham apagado os vídeos originais, os novos que surgiram ainda trazem uma critica quanto à atuação da empresa, assim como ficarão marcadas as vidas daqueles que defendem a causa. Além disso, o fato de terem demorado a se posicionar incitou ainda mais as redes, então agora precisam executar ações que irão fortalecer a imagem positiva de sua marca, mas nunca tirando a responsabilidade pelo que aconteceu neste episódio.

Flávia Ferreira é jornalista pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação. Com mais de 10 anos de atuação profissional, já navegou pelo terceiro setor, o setor público e o privado, sempre trazendo o viés social para o trabalho cotidiano, seja com comunicação corporativa, gestão de marcas ou reportagens de campo.