Tentativa de reconciliação. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos e pessoas reais é mera coincidência.

Alberto era contador e trabalhava no departamento financeiro há mais de 20 anos na “Dias & Fontes”, empresa fabricante de produtos de aço. Era um exímio empregado. Sim, empregado. Ele nunca gostou do termo colaborador, para ele sempre soou falso.

Na firma, todos gostavam do Beto. Porém, como ninguém é santo e todos têm defeitos, ele era um homem brincalhão, um pouco sem-noção. Vez por outra, ao soltar uma de suas brincadeiras, dizia:

– Perco o amigo ou o emprego, mas não perco a piada!

No entanto, quando sabia que a brincadeira iria passar dos limites, “pisava no freio”. Uma confraternização de fim de ano da empresa o fez repensar as brincadeiras. Certa vez, a maioria dos funcionários organizou o amigo-secreto. No dia da confraternização, quando todos os participantes já estavam presentes, ocorreu a revelação dos sorteados.

Cássio, um colega do setor de compras, abriu o último presente que recebeu de Alberto e não gostou nada do que viu ali. Era um animal de pelúcia, precisamente uma zebra:

– O que você quer dizer com isso, Alberto? – Todos os colegas se entreolharam, mas nada comentaram.

– Foi só uma brincadeira, Cássio! Vai me dizer que você nunca trouxe as zebras dos fornecedores? É cada zebra que me apareceu nestes 18 anos que trabalhamos juntos! Mas o seu verdadeiro presente está aqui – disse ao entregar ao amigo um comprovante de depósito em conta no valor de 150 reais… e completou:

– Eu não sabia o que comprar de presente. Feliz Natal para você e sua família!

Cássio mal apertou a mão no colega, deu um sorriso meio sarcástico e respondeu:

– Vai ter volta, Alberto! – A festa continuou até altas horas da madrugada, mas o clima entre os dois colegas azedou de vez. Todos na festa perceberam.

Quando o contador estava indo embora, ele se aproximou de Cássio:

– Cara, desculpa! Foi só uma brincadeira. Você sabe que eu faço piada com todos. Era para quebrar o gelo, só isso. A empresa já está passando por um período tão difícil de baixa nas vendas…

– Tudo bem, Alberto. É que não estou num dia bom hoje. E você pisou no meu calo, só isso.

– Amigos, Cássio?

– Amigos! – E deram um abraço.

Dois anos se passaram, a pandemia da Covid-19 chegou e, com isso, houve uma queda ainda maior no faturamento da empresa. De 150 funcionários, a “Dias & Fontes” precisou cortar o quadro para 90. A festa de fim de ano não existia mais. A gerência-geral preferiu extinguir também o amigo-secreto para não dar margem a outro mal-entendido. No entanto, entre Cássio e Alberto, estava tudo resolvido.

Como presente de Natal, no dia 24 de dezembro, a empresa passou a sortear 45 perus e 45 cestas com 1 vinho e 1 champanhe. Cada funcionário receberia um dos presentes e fim de papo! Quem quisesse fazer a sua confraternização que fosse na casa de alguém.

Uma semana antes da entrega dos brindes, a empresa fez o sorteio para “agilizar a vida” do RH na hora da distribuição. Cada funcionário “sorteou” o seu presente e quem não gostasse do presente poderia tentar trocá-lo.

Alberto ficou muito feliz com o peru de Natal e saiu comemorando nos “quatro cantos” da empresa. E, na hora do café, comentou também na cozinha:

– Não estou me aguentando! Esse peru de Natal vai ser a reconciliação com minha sogra. Há 10 anos ela não conversa comigo por uma piada que fiz com a peruca que ela usava.

– Cuidado, cara! Um dia você cai do cavalo. – Disse Renato, um colega do setor jurídico.

– Eita peruca feia aquela da Gertrudes!

Cássio estava no fundo da cozinha mexendo no celular e, quieto, ouviu a conversa.

Na semana seguinte, véspera de Natal, o freezer da empresa estava cheio de perus congelados, cada um com o nome específico do funcionário. Os sorteados com a iguaria passavam pelo refeitório e pegavam o embrulho com as copeiras.

Várias pessoas deixaram o expediente às 12 horas. Porém, Alberto ficou até mais tarde. Ele precisava despachar algumas planilhas de impostos para fechar o movimento financeiro anual. Ele havia programado sua saída para as 17 horas, mas como terminou o serviço mais cedo foi até o freezer pegar o presente já destinado à sua sogra.

Quando faltavam 10 minutos para as 5 da tarde, Amália, uma das copeiras, ligou para Beto:

– Você esqueceu o peru aqui na empresa.

– Engano seu, Mália. Já estou levando para a minha sogra. Nem vou passar em casa. Preciso me reconciliar com ela já.

– Deve ter sido confusão de alguém então. – Respondeu a colega.

Alberto chegou à casa de Gertrudes. Sua esposa, Mônica, o aguardava ansiosa. Ela queria muito aquela reconciliação. A mãe e o marido precisavam fazer as pazes.

– Dona Gê, como eu falei na semana passada, o peru de Natal quem financia sou eu! – E deu um abraço apertado na sogra.

Ela tentou se esquivar, mas não conseguiu. Percebeu que o genro estava realmente disposto a se desculpar por tudo o que fez com ela em quase 20 anos de casamento com a filha.

– Veja lá, Alberto. Eu não comprei peru! Espero que você não apronte comigo igual de outras vezes!

– Feliz Natal, dona Gê! Estou selando nossa reconciliação. Sem mais brigas?

– Sem mais brigas. O forno já está quente! Vamos para a cozinha.

– Pode ir, Dona Gê! Só vou passar no banheiro e tomar um banho, certo?

Mãe e filha foram para a cozinha:

– Ele está arrependido, mãe!

– É a última vez, filha, que eu o perdoo!

As duas tiraram o pacote de 4 quilos da sacola térmica e começaram a desfazer o embrulho. Alberto desistiu do banho e foi à cozinha:

– Dizem que o melhor peru é desta marca! Não vejo a hora de comer mais tarde.

Ao abrir o pacote, Gertrudes percebeu algo estranho. Muito mais resistente do que poderia se imaginar. Na bandeja, havia um grande amontoado de limalha de inox congelada com o seguinte bilhete: “Eu disse que iria ter volta, Alberto! Feliz Natal!” Ass. Cássio.

Gertrudes embolou o bilhete e jogou na cara do genro:

– O que significa isso, seu vagabundo de uma figa?

– Eu não entendo. O pacote estava com o meu nome dentro do freezer. Não fui eu que fiz isso não.

– Não tem desculpa, Alberto Siqueira! Se manda daqui, palhaço! Nunca mais ponha os pés na minha casa!

– Mas eu…

– Mas eu o quê?

– Eu não sei de nada! Eu juro pela alma da…

– Jura nada, porque jurar é pecado!

– Dona Gê, me perdoa! Eu não tenho nada a ver com isso. – Ele voltou-se para Mônica: – Meu bem, você viu que o pacote estava fechado.

– Não estava lacrado. Eu tenho que ficar do lado da minha mãe, Beto!

Gertrudes desenrolou o papel e disse:

– Quem sabe esse tal Cássio pode te responder, não é verdade?

– Meu Deus! O Cássio!

– O que você fez com esse homem, seu ordinário?

– Foi no último amigo-secreto da empresa. Eu dei a ele, de brincadeira, uma zebra de pelúcia. – Respondeu Beto com o rosto vermelho de vergonha.

– E isso lá é presente, Beto? – Perguntou Mônica.

Entre uma pancada e outra de colher de pau na cabeça do genro, Gertrudes dizia aos berros:

– Nunca mais me apareça aqui, seu desgraçado! Nem ouse chegar perto do meu portão ou eu não me chamo Gertrudes Mota Maia!

Aquela foi a última vez que Alberto foi à casa da sogra. Na empresa, ele aprendeu a lição. Quando ia lançar uma piadinha na hora do café ou do almoço, apenas dizia:

– Melhor ficar calado do que falar demais. A amizade, se é que um dia existiu entre Alberto e Cássio, esta simplesmente acabou!

Moral da história: não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com você.

Imagem: Dmytro por Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.