O desafio de se transformar uma cultura organizacional. Por Maria Aparecida Dutra.

A conscientização dos colaboradores sobre valores, princípios, missão e propósito de uma organização demanda um caminho longo de trabalho e dedicação que necessita ter o apoio e comprometimento da alta gestão.

Quando se está diante de uma estrutura organizacional minimamente implementada e com os papeis bem definidos, o trabalho se desenvolve de maneira mais fluida e sem tantos entraves burocráticos.

Ainda há algo mais desafiador do que simplesmente criar programas de integridade ou de aprendizado contínuo dentro das instituições, que é despertar o interesse das pessoas colaboradoras e fazer com que se percebam parte daquela construção, daquele lugar.

A conscientização não é focada em procedimentos, mas sim no comportamento humano, portanto, é comum que se encontre resistências ou dificuldades no entendimento sobre a valorização de um ambiente de trabalho mais íntegro, transparente, organizado e bem estruturado.

Empresas são feitas de pessoas e pessoas possuem suas especificidades sociais, pessoais, físicas e psíquicas, o que deve ser considerado em todos os aspectos de um trabalho de mudança na cultura organizacional, pois qualquer incompreensão ou desalinhamento, desarranja o trabalho pretendido.

Ignorar o cenário social fora do ambiente de trabalho faz com que toda atividade organizacional já realizada regrida e, por isso, é necessário também que haja um sistema integrado entre os setores da companhia – o que possibilita uma atuação mais assertiva em todas as esferas.

Observa-se sistematicamente que algumas instituições cederam aos investimentos em gamificação, construção de treinamentos mais interativos e conversas mais acessíveis com seus colaboradores e público-alvo que envolve uma série de partes interessadas. Isso ocorre porque não há mais espaço para posturas retrógradas que antes não tinham como foco o resultado, a concretização da mudança cultural. Hoje, as empresas precisam evidenciar e sentir que o clima organizacional está compatível e caminhando junto com as perspectivas de visão sustentável do negócio.

O surgimento dos programas de integridade trouxe o compliance como uma necessidade nas empresas de grande, médio e pequeno porte, não por vaidade ou para se pendurar como diploma em suas paredes e redes sociais, mas como letramento tanto da alta gestão como dos demais colaboradores e partes interessadas, em busca da solidez e sobrevivência do negócio.

O sistema de gestão de fachada não se sustenta. Existem impérios já construídos que possuem diversas falhas, contudo, há que se observar que a maioria deles tem como nicho um serviço essencial e não precisa se diferenciar tanto para que consiga manter seus negócios diante da concorrência. Na prática, existem já na “velocidade cruzeiro”, mas precisam se adequar às mudanças e até mesmo considerar riscos ou incidentes que podem abalar suas estruturas aparentemente tão sólidas.

Nesse aspecto, e em anologia às implementações de mudanças na cultura empresarial, é possível citar como exemplo os canais de denúncias que, muitas vezes vistos como “perigo ou desassossego”, passaram a ser notados como oportunidade de melhoria e grande ajuda às gestões, pois são exatamente o local onde o não dito tem a chance de aparecer, resguardado o anonimato do denunciante e sua não retaliação.

Um canal de denúncia pode servir de ferramenta fundamental para identificação de riscos antes não mapeados ou inimagináveis, tais como fraudes ou qualquer outro comportamento que dependa muito mais da ética pessoal do que da simples obediência a processos e procedimentos internos. A falha de conduta ética pode ser indomável mas, quando reconhecida, é oportunidade para que seja avaliada e retirada daquele círculo – considerada a devida gestão de consequências. O canal de denúncias, portanto, é um mecanismo de ajuda à gestão e pode ser grande aliado no combate à coisas invisíveis, inacessíveis aos gestores.

Essa ferramenta poderosa, para existir e funcionar, precisa além de uma gestão confiável e competente, também de grande divulgação e credibilidade para que seja utilizada com responsabilidade e alcance o fim desejado.

Percebe-se, então, que toda movimentação interna de melhoria da cultura organizacional necessita de disponibilidade, trabalho amplo, acompanhamento, avaliações de reação, avaliações de eficácia de aprendizagem e melhoria contínua. Não há como traçar rotas sem que se pense em executar o trabalho sem avaliar e monitorar os contextos.

A analogia do funcionamento do canal de denúncias é a realidade de muitos temas que uma empresa precisa desenvolver na conscientização de seus colaboradores, precisa ser trabalhado com responsabilidade e chegar às pessoas com credibilidade, sentido e entendimento.

Por fim, nota-se que o desafio está nas pessoas. Como conscientizá-las? Essas pessoas são apenas colaboradoras? A resposta está em muitas nuances, e a primeira delas é enxergar que alta gestão é feita de gente envolvida na construção do processo de mudança e todos devem estar alinhados com os valores e princípios institucionais. Visto isso, descobre-se  que o maior pilar para que uma organização alcance uma boa cultura é o exemplo e comprometimento que vem do topo – Tone of the Top. As pessoas do alto da estrutura são as principais interessadas e devem ser o exemplo de consciência e boas práticas dentro da organização. Não se alcança sentimento de pertencimento de nenhum colaborador que não acredita em sua gestão.

Maria Aparecida Dutra, advogada, é Coordenadora do Jurídico e Compliance da Empresa Viação Ideal S.A. É pós-graduada em Direito Digital e Cybersegurança pela PUC-PR, e em Responsabilidade Civil pela EMERJ.