O caso do anel. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Cristina e Ricardo formavam um daqueles casais perfeitos, que nasceram exatamente um para o outro. Ela, publicitária, e ele, um veterinário especialista em bovinocultura. O sonho deles era comprar uma fazenda com pelo menos 50 cabeças de gado Zebu reprodutores para começar o próprio negócio.

Namoravam há oito anos e já se preparavam para se casar. De noivado, Ricardo deu à namorada um anel de ouro branco cravejado de brilhantes. A jóia tinha mais de 300 anos e foi passada por 12 gerações até chegar às mãos de Cristina. Por tradição familiar, o anel sempre era entregue à filha primogênita pela mãe, no dia do noivado. No entanto, como o veterinário não tinha irmãs, a tradição, de certa forma, havia sido quebrada. E, por um sorteio entre seus outros três irmãos, ele “ficaria” com o anel naquela geração.

Tudo era feito como se fosse a compra de uma jóia rara. Uma espécie de contrato. No anel, estava escondido um chip que facilitaria a busca em caso de extravio. Bastava apenas acionar o seguro. Os pais da noiva, no caso, do noivo, contratavam uma calígrafa para copiar o mesmo texto que julgavam ser o original de Ernestina Claudimira. Ela fora a primeira mulher a receber o anel do marido, o comendador Florêncio, grande latifundiário em Ouro Preto, Minas Gerais. Ernestina era sexta avó da avó de Ricardo.

Para comemorar o noivado, reuniram a família dos dois (pais, mães, avôs, tios e sobrinhos)… umas 50 pessoas. O pai do noivo cedeu a casa de praia da família em Angra dos Reis. A comemoração durou três dias e todos estavam muito felizes.

O casamento estava marcado para exatamente seis meses após o noivado. Nesse “meio tempo”, Ricardo havia participado de um congresso de fertilização de bubalinos e, como estivesse muito cansado, nem ligou para Cristina quando retornou. “Caiu” na cama. Sonhou que, durante a viagem, conheceu uma renomada pesquisadora de genética de Zebu e por lá mesmo ficou. Não quis nem saber de voltar ao Brasil para terminar o namoro com Cristina. E, em pouco tempo se casou com ela e foi morar na Europa.

No dia seguinte, ligou para Cristina, mas a noiva estava com a voz um pouco diferente.

– O que houve, amor? A viagem demorou um pouco mais que o previsto. Mas está tudo bem. Fiquei mais tempo, porque conheci um trabalho diferente nos Estados Unidos. Uma proposta de parceria para a abertura de um laboratório de pesquisas no Texas. A ideia é muito boa e bastante rentável. Poderíamos nos mudar para lá depois do casamento… O que acha?

– Nem pensar! Se você quiser, vá sozinho… Do Brasil, eu não saio. – Falou com desprezo.

– Tudo bem, amor. Quem sabe você muda de ideia? Ele preferiu terminar a conversa ali a fim de evitar uma provável discussão. Cristina era uma mulher um pouco “nervosinha”. Quando tinha um “calo” pisado, o estrago estava feito.

A noiva ficou com aquela ideia na cabeça de que, se Ricardo resolvesse levar o projeto do laboratório em diante, ela não se casaria com ele. Os dias foram passando e Cristina começou a ter dúvidas sobre o relacionamento. Seria mesmo isso que ela queria para sua vida?

Morar nos Estados Unidos em uma cidade no interior do Texas e apenas “apreciar” os sonhos do futuro marido? Com tal insegurança ela também pensava na tradição do anel, “quebrada” por Ricardo não ter uma irmã. “Você está maluca, Cris! Isso é besteira!”. “Ele não vai terminar com você para sair do Brasil. É uma ideia absurda!”.

Entretanto, aquilo já tomava conta da vida da publicitária. Em tudo o que Cristina fazia, a ideia da mudança para o Texas pulava em sua cabeça. Naquele dia, ela saiu de casa para fazer a corrida matinal costumeira, mas mudou de rota. Passou por uma rua perto de um penhasco. Por um deslize, escorregou numa pedra e o anel simplesmente voou da sua mão. Cristina entrou em desespero. Resolveu descer o morro para procurar o anel. Nem se lembrou de ligar para Ricardo e acionar o seguro para rastrear o chip. Ficou horas ali, revirando entulho, mas sem sucesso. Chegou em casa suja, exausta e chorando porque perdera a jóia rara da família. Resolveu não contar para o noivo, afinal estavam a apenas três dias do casamento. E o anel seria localizado.

No tão sonhado dia, Ricardo entrou no quarto onde ela já estava vestida e pediu a jóia. Ela, xingando por ele ter visto o vestido, disse que o anel estava guardado no porta-alianças. Ela teve medo de que o noivo pudesse repreendê-la pela falta do anel justo naquele dia. Ficou aliviada porque ali o sumiço do anel parecia um sonho, ou um pesadelo. Afinal ela nunca acreditara que o anel que estava em suas mãos era o verdadeiro… Seria burrice se fosse o original.

Na igreja, o padre disse:

– Agora os noivos podem trocar as alianças.

Quando Ricardo foi pegar a jóia, deu um grito que ecoou no recinto:

– Cadê o meu anel, Cristina? Você disse que ele estava aqui dentro.

– Mas ele estava, amor…

– Como é que é? Eu sei que o anel caiu no penhasco, na rua Veva, onde você passou naquela segunda-feira. Como você pôde sair com o anel para fazer sua corrida?

Cristina quase desmaiou no meio da cerimônia. Tentou se justificar, mas não adiantou. Todos os convidados começaram a murmurar. O padre pediu silêncio e que deixassem somente o casal falar.

– Amor, eu sempre saí com ele… Então por que você me deu, se tinha medo que ele sumisse?

– Foi a tradição quebrada por eu não ter irmã…

– Pelo amor de Deus, Ricardo. Não seja supersticioso. Agora você quer colocar a culpa em seus pais? Absurdo!

– Foi isso sim. Terminamos nosso casamento aqui. Anulamos tudo. P’ra mim, chega!

– Vamos acionar o seguro… E o rastreamento do anel? Vamos achá-lo. Você disse que sabe que o anel sumiu, logo, o rastreador o localizou.

– Sim, ele está comigo, aqui no meu bolso. – Mostrou o anel. – Mas porque você mentiu, Cris? Não custava me dizer a verdade? Nós namoramos há mais de oito anos… Eu merecia sua honestidade.

Cristina sentou no chão, chorando muito… Sua mãe, Lúcia, tentou consolá-la, mas em vão.

– Eu tive medo de você me repreender, mas foi uma fatalidade. Não foi culpa minha. Eu não imaginava que aquele anel fosse uma jóia tão rara assim. Bem, sendo uma jóia tão rara, vocês deveriam entregar uma réplica do anel até por segurança… Nunca pensaram nisso?

Ricardo estava irredutível, não admitia mentira na sua vida. Ele não queria conversa. Por outro lado, a noiva tentava se desculpar.

O padre pediu licença e se retirou, indo para seus “aposentos”. Os convidados também foram saindo. Ficaram apenas os noivos e os pais de cada um deles na igreja.

Em suas últimas palavras, Ricardo disse apenas de costas para a ex-noiva:

– Nunca mais apareça na minha vida, mulher. – Ele estava realmente furioso.

Cristina retrucou:

– Eu jamais imaginei que nosso amor estivesse resumido a uma porcaria de um anel… Um dia, quando você morrer, pode ter a certeza de que ele não irá no bolso do seu terno. Pense nisso. Você jamais me verá de novo.

Dois anos após a cena de horrores no dia do casamento, Cristina entrou em um avião na cidade de Madri. Ela havia se tornado diretora de uma gigante multinacional e estava muito feliz com a ascensão da sua carreira. Ao sentar na vigésima fileira numa poltrona do corredor, ouviu uma conversa duas poltronas à sua frente:

– Telma, esse é um anel que chegou à décima segunda geração da minha família com Dona Ernestina Claudimira (sexta avó da minha avó). É uma jóia rara de ouro branco, cravejada de brilhantes… Quer casar comigo? Eu te amo!

A publicitária não se conteve e chegou o rosto entre o casal – antes mesmo da mulher responder.

– Faça bom proveito, como é mesmo seu nome? Telma, né? Ele só ama mesmo essa porcaria de anel. – Apontou o dedo no rosto da mulher e continuou: Cuidado com os dois! Ou não diga que eu não avisei!

Cristina se recompôs e seguiu em linha reta, desistindo daquele voo. O embarque não havia terminado.

Imagem: Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.