Este texto poderia ser considerado uma parte dois. Na minha coluna anterior, eu falei sobre as implicações financeiras do posicionamento de um artista. Que, no final do dia, as decisões precisam ser pragmáticas porque há contas a serem pagas. Que, no final do dia, as celebridades são punidas pelo dinheiro por fazerem aquilo que as fazem celebridades. Mas isso não é tudo!
Porque arte, cultura, narrativas são política, as celebridades precisam se posicionar. E se não o fizerem, perdem a legitimidade. Agora, existem algumas maneiras de se fazer isso. É positivo criar um perfil nas redes sociais e ativamente advogar sobre seus interesses? Sim, com certeza. Sabemos que a internet tem uma capacidade de alcance muito grande; pessoas de todos os países, guardando as limitações de idioma, poderão ter acesso ao conteúdo produzido por um longo tempo. Aliás, residem aí as cautelas quanto à presença online e a necessidade de um planejamento estratégico. Mas esta não é a única maneira de se fazer isso.
Quando um artista participa de um filme, escreve uma música ou um romance, faz uma série, ele está se posicionando. As histórias falam por si próprias. Não é preciso dizer literalmente que se faz oposição ao governo, pode-se interpretar um vilão, compor uma sátira, retratar um período histórico. A mensagem fica clara. Por vezes, diz até mais do que se pretendia. Este é o poder da figurativização. Por meio de símbolos lúdicos o espectador interpreta a mensagem. É por isso que muitos dizem que a Bruxa Má do Oeste, do Mágico de Oz, é verde – pois representa o capitalismo, ou que a Mulher Maravilha é a super-heroína capaz de derrotar o patriarcado.
Em outras ocasiões a intenção é deixar propositalmente sinais implícitos. Daí, este recurso ser muito utilizado por grupos de minorias sociais. Há uma máxima na comunidade LGBT de que todos os personagens devem ser encarados como gays até que isto fique claro na obra. Assim, um código próprio vai se construindo junto com um certo vínculo afetivo dos fãs, com os personagens e com outros fãs. Este relacionamento, então, acaba por se mostrar fundamental para a conquista de espaço no debate público. É como se, aos poucos, aquilo que era proibido fosse sendo permitido porque se tornou costumeiro. E quando as pessoas percebem, a exceção é incluída no cotidiano.
Estas mensagens escondidas também podem ser deixadas para prender o expectador. Os easter eggs, muito comuns em histórias geeks são colocados nas obras para que os fãs criem uma expectativa sobre o que está por vir. Se você digitar no YouTube, por exemplo, o termo “teoria de filme” vai aparecer uma quantidade gigantesca de vídeos contando sobre interpretações que fãs deram para filmes famosos. Não tem nada a ver com o aspecto científico de uma teoria, mas sim com a busca por indícios do próprio filme que comprovem aquilo que o fã acha ou defende sobre o arco dos personagens e sobre a condução da narrativa. A teoria mais famosa é a da Pixar, em que todos os filmes aconteceriam em um único universo, embora os criadores nunca tenham confirmado nada.
O que estes easter eggs trazem para a contação de histórias é um caráter transmidiático. Isto é, quando há o intuito de explorar a mesma narrativa em diversas mídias que forma com que todo conteúdo produzido se conecte. Esta é uma perspectiva pela qual a comunicação de celebridades poderia operar. Primeiro são definidos quais temas a celebridade deseja defender, depois são pensados os meios e canais pelos quais isto acontecerá. Vamos supor que o tema seja meio ambiente. A celebridade pode: interpretar a Pocahontas, fazer um documentário sobre o derretimento das geleiras na Antártida, vender maquiagem vegana, participar de uma campanha online para pressionar a aprovação de uma lei… Enfim, o tema é vasto, mas serve para explicar que um mesmo tema pode ser aplicado de várias maneiras, servindo ao mesmo propósito.
Para que isso aconteça é necessário voltar a uma das primeiras indagações que deixei nesta coluna: qual a mensagem que se deseja transmitir e para quê? Ter influência pressupõe ter responsabilidade sobre aquilo para que se influencia. Assim, é preciso entender que, por causa da idealização que somos ensinados a ter com as celebridades, somos capazes de mudar nossos comportamentos. Para o bem ou para o mal, a celebridade funciona como um professor na midiatização, demonstrando padrões preestabelecidos. Uma forma de inovar seria provocar a comunidade de fãs a ter um pensamento crítico, encontrando novas maneiras de pensar velhos problemas e realmente enxergando o espaço das redes sociais como propício para o aprendizado.
Então, Lázaro Ramos tem razão em dizer que os artistas que não se posicionam serão lembrados. Por mais que a memória pareça ser curta, ou que, de alguma forma, ela se renove, não há nada pior para um fã do que descobrir que seu ídolo não era aquilo que ele pensava. A celebridade é política e se não tiver um planejamento de comunicação coeso acaba por manchar sua própria reputação. De novo, vai contra sua natureza, a de inspirar. Ela precisa levar em conta que é mais do que ela quer ou pode dizer, ela é aquilo que se interpreta dela. Para isso, é fundamental que mantenha um comportamento alinhado com seu discurso e isso só acontecerá se houver autenticidade, se houver verdade.
Por fim, é preciso fazer uma ressalva muito séria. Essas considerações que trago tratam de condições normais, em que não há dúvidas sobre a garantia dos processos democráticos. Em um governo com vieses autoritários não resta outra saída, porque mais do que escolher entre este ou aquele, é preciso fazer oposição.
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Imagem: Pexels / Suzy Hazelwood.
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Raquel da Cruz é mestranda do PPGCOM / Unesp e bacharela em Comunicação Social – Relações Públicas pela UEL. Concluiu sua especialização pelo GESTCORP da ECA-USP. Tem interesse em assuntos que envolvem relações públicas, celebridades, fãs e letramento transmídia.