Invasão de privacidade e 'lacração' nas redes sociais: o que o futuro nos reserva? Por Chris Santos.

O advento da internet e das redes sociais abalou os veículos de comunicação tradicionais, como jornais e revistas, e intensificou os debates sobre ética profissional e invasão de privacidade. Por isso, esta nova coluna retoma as reflexões que comecei no artigo A privacidade em um mundo instagramável.

Já existia uma exibição grande da vida de artistas nas revistas de entretenimento e de “fofocas” e nas colunas sociais, em revistas como Contigo e Caras. Passamos pela era de ouro dos paparazzi, nos anos 2.000, representada por fotógrafos que perseguiam famosos a fim de flagrarem estas pessoas em momentos íntimos ou que precisavam ser mantidos em segredo, fora dos holofotes.

Apesar da popularização das redes sociais e da globalização da internet, que mudou este cenário (pois os próprios artistas abrem sua intimidade em seus perfis), ainda existem os jornalistas, youtubers, influencers e colunistas que vivem da exploração deste tipo de conteúdo, muitas vezes repercutindo o que foi publicado nos perfis dos artistas. Mas, ainda existe a aspiração de vários destes comunicadores de “lacrar”, sinônimo de ter sucesso de audiência ou dar um “furo”, ou seja, divulgar uma notícia antes dos demais concorrentes. A qual custo? Esta é uma pergunta que nos fazíamos na época dos paparazzi e que persiste até hoje.

O jornalista Léo Dias, do site Metrópoles, e a youtuber Antonia Fontenelle representam um caso recente deste ímpeto de “lacrar a todo custo”. Eles divulgaram uma notícia sobre uma atriz que passou por uma gravidez sem alarde e encaminhou a criança que nasceu para adoção.

Mesmo sem informar inicialmente o nome desta atriz, os dois deram várias dicas que permitiram que o público descobrisse de quem se tratava – até que a artista resolveu vir a público. Não planejo citar o nome da atriz e detalhes da estória, que envolve um estupro associado à gestação. Entretanto, creio que devemos nos questionar o quanto esta invasão de privacidade é válida, o quanto “lacrar” está acima do respeito e o porquê de a internet e as redes sociais se transformarem em um tribunal inclemente.

Este caso suscitou questionamentos em relação à ética jornalística e da enfermagem, já que existem indícios de que a fonte das informações foi uma enfermeira da equipe que atendeu a atriz. Além disso, informações sobre saúde são consideradas dados pessoais sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Esta situação me lembrou o desrespeito na divulgação de fotos do cantor Cristiano Araújo durante o procedimento de preparação do seu corpo para o velório, cujos responsáveis foram demitidos por justa causa e indiciados – fato ocorrido em 2015. Por que Léo Dias e Antonia Fontenelle continuam em suas posições diante de violação ética e desrespeito à LGPD?

Podemos nos perguntar sobre as práticas antiéticas na comunicação de massa e nas redes sociais, casos de “sextorsão” ou “pornô de vingança” (revenge porn), com chantagem ou divulgação efetiva de fotos ou vídeos íntimos. Tais ações de despeito e crime estão ganhando a batalha uma vez que a preservação da intimidade é cada vez mais difícil?

As marcas deveriam acompanhar mais de perto onde investem suas verbas publicitárias e o conteúdo inapropriado que monetizam, como podemos ver em outro recente caso do ex-vereador Gabriel Monteiro (RJ), que foi cassado após denúncias de assédio sexual, exploração infantil e falsificação de conteúdo, que faturava cerca de R$ 300 mil por mês do Google, por causa do seu canal no YouTube.

O foco desta reflexão não é a de alimentar a visão apocalíptica a respeito do universo das redes sociais e do conteúdo on-line. Mas, precisamos sempre refletir sobre os caminhos que estão sendo trilhados e o quanto podemos afundar em um pântano no qual prevalecem apenas a audiência e views a todo custo. O que o futuro nos reserva?

Chris Santos é profissional com 30 anos de experiência em agências de comunicação, relações públicas, assessoria de imprensa, eventos e marketing digital. Clientes atendidos: Associação Brasileira das Empresas de Software, Unilever, Avon, Lojas Renner, Karsten, Mahogany, Adcos, entre outras. Graduada em Relações Públicas (1990) e em Ciências Sociais (1997) pela USP, com especialização em Gestão de Processos Comunicacionais (USP), MBA em Gestão de Marcas (Branding), pela Anhembi-Morumbi, e mestre em Comunicação e Política pela UNIP. Tem se dedicado ao estudo de tendências nas áreas de marketing digital, comunicação e política e tecnologias da comunicação e informação.