Você já parou para pensar nos nomes que as ruas levam? Eles não são escolhidos aleatoriamente e há sempre algum significado por trás, uma tentativa de homenagear alguém ou então deixar uma data ou um acontecimento sempre na memória. Se essa escolha é tão importante – afinal, o nome é a principal referência de localização de uma rua -, parece que vivemos em uma sociedade com muitos homens notáveis e dignos de serem lembrados.
Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, há 1.757,84 quilômetros de ruas com nomes de homens. Quando analisamos os números de logradouros que levam nomes de mulheres, são apenas 259,80 quilômetros, de acordo com o mapa elaborado pelo Medida SP. Ao avaliar esses dados, podemos até pensar que talvez não tenha existido muitas mulheres importantes para os brasileiros. Mas a gente sabe que não é esse o caso e que, na verdade, há muito pouco reconhecimento do papel que nós, mulheres, exercemos na nossa sociedade. Podemos afirmar que existe uma invisibilidade entre as mulheres e seus feitos para a sociedade em geral.
Quando as mulheres são homenageadas com nomes de ruas, em boa parte dos casos é porque têm algum título de relevância num contexto imperial (imperatriz, baronesa, princesa) ou então são ligadas à igreja católica (santas, madres, freiras). Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo concluiu que 20% dos nomes femininos de ruas da capital paulistana levam “dona”, que são aquelas mulheres que têm uma posição de respeito em famílias ricas e, apesar de serem donas de casa, defendem o nome de um homem de prestígio na sociedade. Mulheres pobres, da periferia, negras e trabalhadoras, não são as mais lembradas por aqueles que escolhem os nomes das ruas.
Se por muitos anos foi negado à mulher o direito de exercer funções de governança, seja dentro de espaços públicos ou de empresas privadas, hoje, é até mais viável, mas há um longo caminho para que ela possa atuar nessas posições da mesma forma como os homens. Muitas ruas levam nomes de governantes, militares e de civis que impactaram na história do Brasil ou daquela região. Se as mulheres demoraram a ocupar esses postos de trabalho, realmente fica difícil que elas possam ser homenageadas como os homens são.
O trabalho da mulher não é digno de homenagem em nossa sociedade, porque muitas vezes ele nem é visto. O trabalho doméstico, o cuidado, a criação dos filhos, que normalmente são tarefas que acabam sendo deixadas para elas, parecem que são de segundo escalão, menos importantes, quase que invisíveis se comparadas às funções de um diretor financeiro, por exemplo, de um general do exército. Além de serem escanteados, são trabalhos não remunerados, que exigem tanto quanto aqueles que realizados nas empresas, mas não são reconhecidos da mesma forma. A redação do Enem de 2023 trouxe como tema “Os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, uma excelente oportunidade de divulgação e de uma reflexão coletiva sobre o “esquecimento” do tamanho da responsabilidade que nós mulheres carregamos para manter o elo familiar e suas consequências diretas para que isso se realize.
Seguindo esse raciocínio e essa realidade, as mulheres demoraram a conquistar espaços de mais prestígio dentro do mercado de trabalho ou na governança do Brasil e exercem muitas atividades que são pouco vistas em nossa sociedade. Assim, acabam não sendo lembradas na hora de receber nomes de ruas. E aqui são vários os problemas.
O primeiro é: quem os brasileiros admiram? Fica nítido que são os homens ricos e brancos. É o trabalho deles que é lembrado, reconhecido e homenageado. Segundo: onde estão as mulheres do nosso país e o que elas estão fazendo? De acordo com uma sociedade machista, elas não estão fazendo a história que o Brasil quer contar, não estão exercendo tarefas que sejam dignas de atenção. E por fim, fica o questionamento, quais são as funções que nós valorizamos? Podemos dizer que são aquelas que trazem muito dinheiro e deixam em evidência o poder dos homens.
A escolha dos nomes das ruas, como disse, não é feita de forma aleatória, sem critério. E analisando esse processo, a gente consegue perceber que ele nada mais é do que um reflexo da desigualdade que presenciamos em nossa sociedade. Homens e mulheres não estão em pé de igualdade, não recebem e nem são vistos da mesma forma. Muita coisa está mudando, mas o processo é lento. São nas pequenas coisas, como nome de ruas, que nós vamos captando essas questões de gênero que marcam as nossas relações. Outra pergunta que podemos fazer nesse sentido é: – Quem escolhe os nomes das ruas? Em geral, são “homens” que escolhem nomes de “homens” para se homenagear, afinal sempre vamos escolher os que parecem conosco, por isso a importância da diversidade de pessoas em todos os lugares.
Levando toda essa questão para o nosso dia a dia, fica a reflexão para darmos mais espaço para as mulheres. Reconhecer o trabalho delas, a dupla jornada que muitas têm de cuidado e trabalho fora de casa. Conseguir ver valor no que elas fazem e parabenizar e homenagear quando elas conquistam algo que seja relevante. Dar espaço para que elas possam fazer trabalhos importantes, porque são tão capazes como os homens. Isso tudo a gente pode fazer em casa, no trabalho, entre amigos e família. Tem muito trabalho bom de mulher por aí que só precisa de mais visibilidade. Te espero em alguma rua com nome de mulher para falarmos mais a respeito.
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Fontes:
– https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/nomes-femininos-sao-apenas-16-dos-que-batizam-ruas-de-sao-paulo.shtml
– https://medidasp.com/projetos/genero-ruas/#
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Jovanka de Genova é filósofa com mestrado em Educação, Arte e História da Cultura. Atua há mais de 17 anos na área de comunicação organizacional e educação corporativa. Atualmente é Gerente de Educação no IAB Brasil. No LinkedIn: www.linkedin.com/in/jovankadegenova.