Do LinkedIn de Wilson Costa Bueno. Comentário: Manoel Marcondes Neto.

Deu hoje no LinkedIn do Prof. Wilson Costa Bueno:

Na imprensa, a síndrome do “limite permitido” justifica até a presença de cocô no queijo Minas. Eu, hein?

A hipocrisia de muitas empresas, fontes prestigiadas da nossa imprensa, tem crescido a olhos vistos, sob a complacência de jornalistas e veículos, respaldada numa teoria bastante singular conhecida como “a ética do limite permitido”.

Vamos explicar. Uma empresa vende um produto (ou deixa de fazer alguma coisa que seria razoável, justa, lógica) que sabidamente faz mal (ou não serve para coisa alguma), mas, ao ser questionada, sai com essa: “está dentro do limite permitido, obedecemos à legislação”. Os exemplos se contam às centenas. Podemos citar alguns deles.

As empresas agroquímicas vendem produtos que contaminam o solo, a água, o ar (e matam muita gente, basta consultar as estatísticas da ANVISA ou as pesquisas da Fiocruz), mas têm a resposta na ponta da língua: “está tudo dentro do limite permitido”. Em um número infindável de casos, vendem aqui produtos proibidos lá fora, não autorizados, por exemplo, pela FDA.

A Braskem deixou dezenas de milhares de pessoas sem casa, sem hospital, sem o seu ponto comercial em Maceió e aparece, recorrentemente, no LinkedIn, para dizer que “faz tudo pelas vítimas”, igual ao motorista bêbado que mata um pedestre e depois vem com a narrativa de que está ajudando à família.

A Big Pharma vende no Brasil remédios proibidos em outros lugares, mas ninguém pode mexer com ela porque “a legislação permite”. E faz propaganda enganosa que, quase nunca é retirada do ar, além de abusar daqueles segundos finais do anúncio dos medicamentos que indicam os efeitos colaterais, mas que ninguém consegue ler.

Há algum tempo, uma situação dessas chegou a ser cômica (se não fosse trágica): fabricantes de queijos brancos (aquele queijo Minas, como a gente diz em São Paulo), ao serem flagrados com índices preocupantes de coliformes fecais (cocô) nos seus produtos, saíram com essa: “tudo bem, tem cocô mesmo, mas está dentro do limite permitido”. E eu nem sabia que havia limite permitido para cocô em queijo!

Enfim, muitas empresas, brasileiras ou não, adotam uma ética bastante particular e usam a legislação (que elas constroem com seus lobbies, com a cumplicidade de parlamentares e governantes comprometidos com os seus interesses) para justificar a não adoção de medidas, processos de fabricação corretos. Fazem apenas o que está “dentro do limite permitido”, mesmo sabendo que, com isso, penalizam os cidadãos.

O jornalismo e a sociedade não podem se contentar com esta desculpa esfarrapada e devem ir mais a fundo, devem exigir mudanças na legislação, porque ela é propositalmente cheia de buracos para favorecer os grandes interesses.

Infelizmente, casos como esses citados não cheiram bem. Mas não adianta reclamar: as empresas vão alegar que o fedor está dentro do limite permitido.

LINK – https://agencia.fapesp.br/cientistas-investigam-a-contaminacao-por-bacterias-em-queijo-minas-frescal/37025

COMENTÁRIO

Caríssimo professor,

Fico feliz com sua denúncia (embora muito infeliz com o cocô “permitido”).

Há muito tempo, venho denunciando o problema crônico da propaganda enganosa exercida por empresas e seus assessores “de imprensa” (essa jabuticaba).

O (velho) problema da Propaganda já conhecíamos – os publicitários fazem 6 meses de anúncios e 6 meses de terapia… para curar-se da culpa por nos fazerem comprar, por exemplo, queijo Minas “batizado”…

Mas quando sabemos que 90% do que lemos, assistimos, ouvimos e navegamos na internet é produzido por jornalistas em assessoria de imprensa (os já famosos JAI), a coisa muda de figura e beira o fim do mundo.

Não há praticamente mais Redações… mas tráfico de influência entre “coleguinhas”… abrigados em empresas de assessoria agora bilionárias produzindo pautas e matérias inteiras já “ao gosto” das editorias, com aspas e poses encomendadas… e sob o pensamento único hoje vigente no mercado de ideias.

Com o fim das Relações Públicas como aprendemos até a virada deste século, caíram as seculares paredes entre as Redações e os departamentos comerciais de toda a mainstream media… e o sonho de todo executivinho se tornou realidade; o de ter “um jornalista para chamar de seu”.