Vedação a tortura e tratamento desumano: como enquadrar a pena de morte no Brasil em caso de guerra declarada. Por Maria Italicia Bezerra Cesário.

A pena de morte também chamada de pena capital é objeto de muita polêmica no contexto atual da sociedade, que tem buscado de maneira mais assídua a efetivação dos direitos humanos. Trazendo essa problemática para um âmbito mais direcionado, seria comum ouvir pessoas afirmando que não há pena de morte no Brasil, o que em parte é verdade, mas existe uma hipótese especifica em que há, sim, flexibilização do direito à vida.

A constituição federal de 1988, tida como célula-mãe do nosso ordenamento, traz a seguinte disposição:

Artigo 5o, inciso XLVII – Não haverá penas:

a) De morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do Artigo 84, XIX.

Diante disso, é possível perceber que existe possibilidade de pena de morte no país, que, nesse caso de guerra declarada prevê morte não para crimes comuns tipificados no Código Penal, mas sim crimes previstos no Código Penal Militar. Pela nomenclatura, é de se esperar que a pena recaia apenas sobre militares, mas civis que cometerem quaisquer dos crimes também seria penalizado com morte. O rol é extenso, estando contido no livro II – Dos crimes militares em tempo de guerra, indo do Artigo 355 até o 397, sendo eles: traição, favor ao inimigo, coação a comandante, favor ou auxílio a inimigo, aliciação de militar, ato prejudicial à eficiência da tropa, traição imprópria, covardia, fuga em presença do inimigo, espionagem, motim, revolta ou conspiração, omissão de lealdade militar, incitamento, inobservância do dever militar, envenenar ou corromper água potável, víveres ou forragens, ou causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos, corrupção, abandono de posto, deserção, libertação de prisioneiros, entre outros. É valido ressaltar que só é punível com morte quaisquer desses crimes se forem praticados em tempo de guerra declarada.

De maneira mais estruturada, em caso da condenação, o presidente de República deve ser notificado da decisão e a pena só será aplicada após 7 dias. A morte se dá por fuzilamento, onde será prestado socorro espiritual ao condenado, permitindo-lhe escolher um líder religioso para conversar e se redimir antes do ato, sendo necessário também que o condenado esteja trajando vestes decentes, não sendo permitida nudez ou roupas vexatórias – se for militar será executado de farda, não lhe sendo permito utilizar no uniforme nenhuma insígnia como prova de sua vergonha e traição ao país -, se for civil deve estar adequadamente vestido. No ato da execução é oferecido ao individuo uma venda para colocar sobre os olhos, que este pode aceitar ou não. O ordenamento não trata sobre o direito de últimas palavras, mas o executado pode-o requerer no momento anterior à morte. Ao ser dado o sinal de fuzilamento é expressamente proibido que o comando seja por voz, numa tentativa de proporcionar conforto ao condenado e evitar que o mesmo saiba o momento da rajada de tiros caso tenha optado pela venda.

Diante do exposto é interessante salientar que a mesma Constituição Federal que concede a pena de morte em caso de guerra também prevê o seguinte:

Artigo 5o, inciso III: Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Esse dispositivo constitucional segundo doutrinadores é considerado um direito absoluto e, por tratar-se de um direito fundamental, o mesmo não pode ser modificado ou abolido de forma que venha a restringir direitos, apenas no sentido de ampliá-los.

Diante disso fica um questionamento: como pode um ordenamento vedar de maneira expressa a tortura e tratamento desumano e permitir pena de morte por fuzilamento em caso de guerra declarada? Segundo meu entendimento enquanto constitucionalista e defensora do viés democrático, trata-se de uma divergência exorbitante, uma vez que não pode haver nada mais desumano e degradante que obrigar um indivíduo caminhar para a própria morte, com dia, local e método exato, como um boi que caminha para o abatedouro em busca de seu triste destino. É necessário entender que a função social do Estado ao punir um individuo pelo seu crime é ressocializar, trazer consciência e reflexão, a pena não pode servir como vingança pelas vítimas ou pelo prejuízo. Desse modo, o que diferencia o Estado do próprio réu, se amparado pela lei para cometer tamanha monstruosidade?

Por fim, encerro meu questionamento trazendo à tona uma fala necessária da ilustre ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia: “Qualquer ser humano deve ser considerado maior que o seu erro”. Nesse contexto, executar um condenado não gera solução ou mesmo desfaz o mal cometido, apenas reflete a violência com que o Estado retribui. Que o Estado seja detentor de justiça e proteção de direitos humanos, não um justiceiro pronto para derramar sangue.

Maria Italicia Bezerra Cesário é advogada e consultora jurídica em diversas áreas do Direito, especialista em Licitações e Contratações Públicas, pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduanda em Direito Constitucional, membra da Comissão de Apoio aos Novos Advogados, da Mulher Advogada e da Defesa dos Direitos Humanos na OAB – Garanhuns, Pernambuco.