NOVA ARTICULISTA: Andréa Campos - É preciso abandonar o medo do novo e rever convicções.

Recentemente, fui pautada para elaborar um texto sobre tema bem específico e o primeiro pensamento quando li o e-mail foi: “entre tantos assuntos possíveis, logo esse…”.

Eu poderia escrever sobre questões ligadas a empresas, artes, saúde, economia, cidadania, finanças, crises, violência, direito, marketing, relações internacionais etc., mas tinha que ser bem sobre algo que eu não acompanhava ‒ e, confesso, por não atrair meu interesse.

Pesquisei o assunto, escrevi o texto, pesquisei um pouco mais e ampliei o texto. Gostei do resultado final. E mais; o que achava ser algo de um reino tão distante poderia bater à minha porta em breve.

Foi aí que parei para analisar friamente a minha reação inicial e deparei-me com uma falha que pode prejudicar muitas carreiras (e vidas): eu, os leitores e tantas outras pessoas, de alguma forma, bloqueamos assuntos que não nos interessam ou que julgamos não ser parte das nossas rotinas e universo.

Assim, toda vez que uma manchete, link, áudio, vídeo etc. trouxer como referência tal tema nem daremos conta. Pulamos o assunto de modo automático. Não haverá técnica de “escaneabilidade” que funcione.

Você pode argumentar que se trata de algo natural e que todos são livres para manifestar suas predileções. Sim, talvez não seja algo tão grave, mas para alguém da área de comunicação pode ser limitador para o crescimento e o desempenho profissional.

Não quero dizer que é preciso acompanhar igualmente todos os assuntos (o que seria uma tarefa quase impossível), mas ampliar a capacidade de observar e assimilar o que é novo e diverso, ainda que não seja parte de nossas rotinas e interesses particulares.

Pensando sobre o assunto, veio a recordação de uma das aulas de Comunicação, lá na Cásper, em que o professor decidiu que a turma participaria da gravação de um programa da TV Gazeta. Não lembro o nome, já faz bastante tempo, mas era com auditório, bem popular e com atrações musicais.

Boa parte da sala de aula manifestou prontamente o descontentamento com a proposta. “É um programa sem noção”, “é muito pop”, “o que vamos aprender para o jornalismo”, “não bate com meus objetivos”, para citar algumas das argumentações.

Eu não opinei sobre a proposta, pois na verdade não conhecia o programa. Porém, bastaram alguns minutos da gravação para me juntar ao restante da turma. E, pior, como não assisti antes, tornei-me alvo fácil para o apresentador. Explico: em determinado momento ele pegava um balde com água e atirava na galera que julgava merecedora. Sem interesse pelo programa, eu e um amigo estávamos sentados num degrau ao lado da plateia, repassando um trabalho e desligados do programa e do apresentador. Nem preciso dizer que o banho foi todo nosso.

De volta à sala de aula, o sermão do professor foi longo. Como nós, alunos e profissionais da comunicação, pensávamos que seria possível trabalhar na área com um comportamento alheio ao que se passava no ambiente em que estávamos? Como alguém carregado de seletividade pode se aproximar do público e conhecer suas reais necessidades? Qual seria nosso verdadeiro entendimento sobre comunicação: o de ocupar uma bancada de telejornal, produzir somente grandes reportagens, criar um conteúdo publicitário digno de premiação? Onde ficariam o “quem”, o “para quê”?

De todas as aulas que tive, essa foi a que deixou uma grande lição. Pensamentos que sempre caminham comigo, na vida profissional e na pessoal. É preciso enxergar além do que se pode ver.

Você já deve ter visto reportagens maravilhosas feitas a partir de ideias simples, e ter questionado o motivo de ninguém ter feito algo assim antes. Vamos para o mundo da indústria. Quantas e quantas coisas simples não foram inventadas? Poderíamos, eu ou você, ter tido a ideia? Acredito que sim. Porém, por estarmos presos a padrões, a entendimentos antigos, a fórmulas que muitas vezes já nem funcionam, deixamos de lado nossa capacidade de repensar o mundo, as coisas, as pessoas e as opiniões. Perdemos incontáveis oportunidades e sequer teremos conhecimento desse fato um dia na vida.

Quando iniciei a preparação deste artigo, li uma matéria sobre o lançamento do livro “Pense de novo”, do psicólogo organizacional Adam Grant, que procura mostrar de onde vem a resistência das pessoas a mudanças e como os indivíduos que são bons em pensar podem ter dificuldade para repensar.

“Se formos capazes de dominar a arte do repensamento, acredito que teremos mais chances de alcançar o sucesso no trabalho e a felicidade na vida pessoal. Rever nossos pensamentos pode ajudar a encontrar novas soluções para problemas antigos e a redescobrir soluções antigas para problemas novos. É um caminho para aprender mais com as pessoas ao nosso redor e viver com menos arrependimentos.”

Esse trecho do livro reproduzido acima tem total relação com a aula que contei. Assim, repensar pode ser determinante para apontar caminhos e afastar julgamentos precipitados, pois pode estar num detalhe escondido em algo bem simples aquilo que tanto buscamos.

Imagem: Pixabay (https://pixabay.com/pt/illustrations/perguntas-demanda-d%c3%bavidas-1922476/).

Andréa Campos é jornalista, editora de livros, redatora e ghost writer.