Ética vai além da comunicação. Por Ariadne Gattolini e Marcela Matos.

Nos últimos dias, nos deparamos com histórias divulgadas pela imprensa que nos desafiam pelo seu conteúdo e repercussão. A primeira delas, de um recém-nascido doado por uma vítima de estupro. A outra sobre um anestesista que estuprava grávidas, sedadas por ele. E, por fim, não menos impressionante, a enorme repercussão do podcast da Folha de S. Paulo sobre a “A mulher da casa abandonada”.

Comecemos pelo caso da atriz que teve seu nome exposto no caso de doação de um filho para adoção. Trata-se de um exemplo de discussão aprofundada sobre a ética no jornalismo, uma vez que o fato trouxe à baila os limites que os profissionais de imprensa precisam ter em seu sagrado ofício. O caso também nos faz pensar melhor sobre o alcance dos treinamentos de gerenciamento de crises nas empresas; todos precisam estar cientes dos riscos à imagem que as próprias atitudes podem causar e, claro, das consequências legais disso para si mesmos e para a instituição.

Para o anestesista, pego em flagrante, haveria limites para a sua exposição? Um crime hediondo como este deveria ser divulgado amplamente? (Faço a ressalva aqui de que os nomes das vítimas não apareceram nas primeiras reportagens).

E, por fim, o bem produzido e profissionalmente impecável podcast de Chico Felitti acabou levando centenas de pessoas em frente à casa de Higienópolis. Se a proprietária, acusada de escravizar sua empregada doméstica por mais de vinte anos, não tivesse fugido do local, o público presente poderia hostilizá-la e partir para a agressão física?

Mas por que estamos tratando desses casos cotidianos em nosso espaço para a comunicação institucional? Porque, não raro, questionamentos éticos fazem parte da relação da assessoria de imprensa com a empresa contratada. Está cada vez mais comum que assinemos termos de confidencialidade em nossas relações. Os contratos entre ambas as partes possuem um sem-número de artigos de compliance e limites éticos que incluem não divulgar informações sigilosas e até mesmo não receber presentes, tais como flores ou bombons, de pessoas/empresas que tenham relação com o negócio.

Em nossos programas de media training, salientamos que não se deve mentir para a imprensa. Que os dados devem ser transparentes, didáticos e expostos de forma simples para o público. Um erro na comunicação, em um momento crítico, pode trazer um enorme prejuízo à marca e aos seus executivos. A relação ética com o consumidor tem sido pauta efetiva do ESG, mas fazemos um adendo: a empresa também tem se portado eticamente com seu público interno e negócios? Se a resposta for negativa, em determinado momento, o assunto irá ser exposto. Exemplos disto são grandes empresas que ainda suportam trabalho análogo à escravidão em pontas soltas da cadeia produtiva.

Vale sempre aquela máxima: tudo que é falado e feito na empresa poderia sair no Jornal Nacional de hoje à noite? Se a resposta é não, está na hora de rever os conceitos e comportamentos, pois nada ou quase nada fica escondido nos dias de hoje.

Por tudo isso, a análise ética não está somente na relação com o público e com a imprensa. Ela passa por uma revisão severa de compliance, avaliação de fornecedores, relação com investidores e trabalhadores. Uma empresa boa para se trabalhar leva vantagens quando precisa ser ranqueada na bolsa de valores ou para um processo de fund raising.

A assessoria de comunicação pode e deve estar presente na construção dessas relações. Uma empresa com práticas sustentáveis e éticas facilita a relação com a imprensa, consumidores e mercado. Não estamos aqui somente para aparecer na foto. Ajudamos a construir negócios saudáveis e promissores para o futuro.

Ariadne Gattolini é formada em Jornalismo, especialista em Jornalismo Digital na América Latina pela TecMonterrey, do México, pós-graduada em Administração de Serviços e atua no segmento de aviação e logística.

Marcela Matos é graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela USP. Atua há mais de 30 anos na área de Comunicação Corporativa para aviação e logística.