Barbárie digital: uma reflexão. Por Ana Morais.

Destaque recente em amplos debates, a questão do desenvolvimento de competências sócio emocionais, as soft skills, é um dos temas de maior interesse no momento, tanto no ambiente educacional quanto no corporativo.

Em que pese o esforço enorme do sistema educacional e empresarial sobre o tema, parece que estamos a milhares de anos-luz de encontrar o equilíbrio nesse campo de desenvolvimento.

Ao longo da história essas competências foram estudadas e abordadas a partir de várias áreas de conhecimento, ganhando enorme repercussão como conceito de inteligência a partir dos estudos agrupados de Peter Salovey e John Mayer, em 1990, e logo depois com Daniel Goleman e o livro homônimo que ganhou o mundo ampliando e debatendo a importância desse tipo de habilidade para o sucesso pessoal e profissional.

No entanto, o que temos hoje no ambiente digital contraria toda inteligência reunida em torno do tema, especialmente no campo virtual.

As mídias sociais, conhecidas amplamente como terra de ninguém, têm sido campo fértil para condutas extremistas, violência, agressões, difamação e toda sorte de atividades, inclusive criminosas, contra pessoas públicas ou não, sempre priorizando – e essa é mesmo a função dos grupos mais agressivos -, a ofensa, o debate raso e a contradição violenta.

Ambientes midiáticos totalmente baseados em indicadores como alcance, engajamento, taxa de cliques e algoritmos, as redes sociais ignoram qualquer balizador ético ou moral e não distinguem comportamentos violentos ou criminosos de qualquer outro, embora possam usar a inteligência artificial para fazê-lo, preferem por razões econômicas não agir.

Esse conjunto de comportamentos bárbaros tem como produto final um volume de danos sociais e pessoais os quais estamos longe de medir. Entre as populações mais vulneráveis estão exatamente as crianças e adolescentes.

Os danos extensivos observados circulam entre ansiedade, depressão, prejuízos da autorregulação e distorções das percepções de autoimagem e comportamentos de isolamento e agressividade, já observados em escolas, por exemplo, e que tiveram ainda o efeito negativo pós-pandemia.

Não é possível esperar que exista organicamente um ajustamento de condutas nas redes sociais, a não ser que haja em breve uma intervenção balizando o que é aceitável socialmente e saudável para a convivência social e privada. Nesse sentido, a banalização da violência nas redes sociais é preocupante e deixa famílias e organizações ainda em estado de impotência.

Como combater a agressividade direcionada a uma criança nas redes? O que fazer em casos de crimes virtuais? Onde buscar a convivência pacífica entre o real e o virtual, preservando o desenvolvimento equilibrado e saudável de crianças e adolescentes justamente nesse momento onde toda ação virtual e midiática se potencializa sem possibilidade de retorno ou reparação?

Desde a contribuição de Kant, educar é tirar o homem de seu estado bruto, eliminando a barbárie de sua essência, para que a sua animalidade não prejudique a formação do caráter, e consequentemente a sociedade. Mas não parece que incorporamos essa evolução, pois casos recentes cada vez mais provam que a regra geral é a ofensa, a violência e a disseminação do ódio em torno de variados temas e pessoas que, por defenderem um dado posicionamento, sofrem ondas de violência virtual sem precedentes, muitas vezes por meio de ações ou fotos divulgadas fora de contexto.

Um exemplo? Grupos de fofocas e difamação dentro de condomínios, empresas e escolas. Quem os cria e alimenta? Por que objetivo tão vil? Como reparar danos pessoais nas redes e a responsabilidade civil contida neste ato impessoal?

Além de preocupante, o cenário das mídias sociais deixa famílias e organizações sem chão, pois já nem sabem a quem recorrer ou o que fazer para combater as violências e minimizar os sofrimentos decorrentes das dependências de redes sociais e as consequentes publicações ofensivas.

Enquanto as condições de civilidade não se reestabelecem, é consenso o uso moderado, muito diálogo e afeto real para curar as dores causadas pelas nocivas redes onde, infelizmente, a barbárie rola solta e sem linha de fim visível.

É preciso amar e cuidar das crianças e jovens ainda mais, proteger a elevar a capacidade de uso, evitado a dependência das mídias e fortalecendo a capacidade de articulação com a vida real que, apesar de conter também as violências típicas, é mais fácil identificar os riscos e adotar atitudes protetivas de crianças e jovens vulneráveis pelas próprias condições.

Ana Morais é mestre em Desenvolvimento e Formação de Pessoas pela UPE, executiva senior em educação, consultora, escritora, palestrante e especialista em desenvolvimento de equipes de alta performance e nos temas de educação e trabalho. Especialista em Competências, é coautora do livro “Equilíbrio emocional em tempos de crise”, pela Editora Laços.
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