O oligopólio das 'News', inclusive das 'Fake'. Triste este Dia do Jornalista.

Ben Bagdikian (1920-2016), que ocupou cargos destacados na imprensa dos Estados Unidos, escreveu “O monopólio da mídia” (1983), livro-sensação nos cursos de Comunicação que, após alguns anos, chegou a ganhar uma reedição “definitiva” (1987).

No livro, Bagdikian esquadrinhava o “quarto poder” que acumulara força para eleger e vetar políticos, para enaltecer e “cancelar” pessoas e instituições. E chamava a atenção para o fato de que os grupos empresariais de mídia estavam sendo adquiridos por conglomerados empresariais maiores (claro, de fora da mídia). Avizinhava-se a luta (perdida) de jornais, revistas, rádios, TVs, fonográficas e até cinematográficas – do setor “Comunicação” – frente ao setor “Telecomunicações” (Telecom). Depois, viria a história que conhecemos pela pena de Tim Wu, em seu ótimo Impérios da Comunicação (2012).

O escândalo de Watergate foi deslindado por conta da ação contundente de um órgão da imprensa (The Washington Post) no seu papel de investigar os poderosos, indo além de Notas à Imprensa e falatório ensaiado. Outros casos se sucederam – um mais recente foi o desmascaramento de crimes sexuais contra adolescentes cometidos pelo establishment da Igreja Católica nos Estados Unidos. Tanto este caso (devido à ação perseverante de um time spotlight do The Boston Globe) quanto Watergate acabaram gerando bons livros e filmes (1) e (2).

Pano rápido

Corta para os dias atuais!

Desde 2017, a expressão fake news entrou no imaginário global para não mais sair. Donald Trump não podia prever o tamanho das consequências de sua acusação à media mainstream, ao vivo, em entrevista coletiva – já eleito mas ainda não empossado: – You are all fake news! – exclamação por ele feita, apontando para profissionais de todos os veículos de imprensa presentes no recinto. (E ele sabia do que falava – empresário que vira centenas de press releases sobre empreendimentos seus publicados na íntegra, sem qualquer apuração).

Custou-lhe a reeleição tal acusação. Pois o cerco que a mídia impôs a Trump durante toda a campanha eleitoral manteve-se durante a presidência. E após! Ainda hoje, a “grande” imprensa tenta demolir aquele que pode, eventualmente, voltar a presidir os Estados Unidos – no que seria uma espécie de “revanche” inédita e histórica.

Verdade inconveniente 

Pois bem, o problema com Trump é que ele disse uma verdade muito inconveniente; a de que a imprensa – como os políticos – também mente. Algo inimaginável nos tempos de Bagdikian, quando confiávamos no que os jornais estampavam. Até no Brasil, o Henfil cunhou uma expressão de fé: – Deu no New York Times! Ora, se “deu” no Times, é porque aconteceu de verdade.

Mas, no caminho da imprensa – e da humanidade – haveria de aparecer uma pedra: a internet. E tudo, absolutamente tudo foi (e vem sendo cada vez mais) afetado por ela. Com o advento dos smartphones, então, uma nova era do que conhecíamos pelo vocábulo mídia colocou veículos, emissores e receptores – para usar a terminologia clássica da comunicação – de cabeça-para-baixo.

E todos nós passamos a emitir (antes só recebíamos informação), a editar, a reenviar, a comentar, a pontuar, a monetizar…

Monetizar, aliás, na opinião deste O.C.I., já expressada em muitos textos aqui, no portal, desde 2017, foi um mal, e também a pedra-de-toque da derrocada do “mercado comunicacional”. As agências de propaganda estão perdidas no oceano da “mídia programática” – quase tanto quanto os anunciantes -, e os veículos “tradicionais” vêm sendo varridos do mapa, substituídos pelo WhatsApp, pelo YouTube, pelo Instagram e influencers. Descumprindo o regramento da atividade publicitária, as chamadas Big Techs (misturadas com os gigantes do setor de Telecom), implementaram coisas estranhas como “turbine seu conteúdo”, “impulsione seu site“, absolutamente à margem de qualquer debate – um mínimo que fosse. E não é que nossas excelências mergulharam de cabeça nos “disparos em massa” via web?

Censura orwelliana em pauta

Ontem, a urgência urgentíssima de um malfadado Projeto de Lei, de número 2630/2020, foi rejeitada na Câmara dos Deputados, em Brasília. Menos mal. Agora terá que ser discutido nas Comissões da Casa. O singelo título – cheio daquelas boas intenções que têm o potencial de nos levar para o inferno – Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet – oculta a real intenção de censurar conteúdos e “conteudistas”, além da própria rede (!), trazendo de volta a exclusividade da mídia tradicional para noticiar e para mentir. O apelido do PL é “Das Fake News“. Esqueceram-se, as mesmas excelências, no entanto, de que ainda não se tipificou o que são fake news. Como legislar, regular e punir sobre algo que a tão festejada ciência ainda não se debruçou para definir?

O império contra-ataca

O establishment – dos mesmos protagonistas que aplaudiram a supressão da necessidade de diploma de nível superior para o exercício do jornalismo profissional e que, também, derrubaram a criação de um Conselho de Ordem (com Código de Ética e Responsabilidade Técnica inerentes) para os jornalistas – perpetra, novamente, um mal. Só quem viver verá o resultado.

Este O.C.I. – na virada 2016/2017, por sugestão de duas jornalistas “entrantes” no sentido de que discutíssimos o problema das fake news – adotou, em assembleia, formalmente, então, duas novas causas para que pudesse fazê-lo com pertinência: o Jornalismo Responsável e a Propaganda com Ética.

Há, já, pois, desde há muito, inúmeras matérias – entre artigos, colunas e clipping – a respeito da palavra-chave fake news, bem como sob as palavras-chave uso indevido de dados, mídia programática, publicidade programática, propaganda programática e marketing digital.

É lamentável que o que sobrou da mídia jornalística no país continue em seu plano inclinado, convidando subcelebridades da psicologia, da antropologia e da sociologia para tratar desses problemas, confirmando, aliás, sua vocação para fake news.