Uma visita inesperada. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Carol e Renato estavam casados há três anos, mas não tinham filhos. Preferiram aproveitar a vida a dois mais um pouco antes de aumentar a família. Quando estavam organizando o enlace matrimonial, eles perderam o emprego em uma multinacional e se viram na “rua da amargura”. Precisaram, às pressas, remodelar a festa do casório. Simplesmente a lua-de-mel, que seria de 20 dias no nordeste do Brasil, foi de apenas um fim de semana na praia de Ipanema, no Rio.

Como reduziram o tamanho da festa, juntaram parte da economia que sobrou com os acertos das demissões e criaram um e-commerce de semijoias. As peças eram inovação no mercado e logo uma excelente maneira de ganhar dinheiro. Em um ano e meio, conseguiram repor todo o valor investido e a empresa já estava colhendo o lucro das vendas. Assim, planejaram uma viagem de 15 quinze dias para um grande e conhecido resort no sul de Minas Gerais. Tudo o que eles queriam era descansar, repensar a provável expansão do negócio e ainda se divertir, algo que não faziam desde a lua-de-mel. E a loja virtual ficou aos cuidados da irmã de Carol, Alessandra.

A esposa de Renato tinha uma coleção bastante inusitada. Enquanto muita gente gosta de colecionar camisas de times, recortes de jornal ou revistas, moedas, figurinhas, latinhas de cerveja ou refrigerante, ela possuía uma coleção de pantufas. Toda vez que um amigo ou parente viajava, ela encomendava um par de pantufas. As que ela mais gostava eram de onça pintada. Tudo começou porque ela sentia muito frio nos pés por eles serem muito gelados. Assim, guardava três pares: onça, elefante e coelho para dormir calçada neles.

Obviamente, levou para o resort o par de “onças”.

Renato sempre achou estranha aquela mania da mulher, mas Carol não dava a mínima para o marido.

– Lá vem você, amor, dormir com essas onças…

– Ah… me erra, Mozinho! Isso não te incomoda, vai…

– Até que não, mas os bigodes dessas pantufas às vezes, relam no meu pé. Qualquer dia, vou dormir no sofá!

– Para, meu bem, não é tão ruim assim. Você, pelo menos, tem os seus pés quentes… Relaxa, vai…

– Pôxa, Carol, mas até aqui no resort?

– Ou eu durmo com as minhas pantufas ou vou para o sofá!

– Sim, senhora!

O casal estava em um chalé dos mais de 50 que o resort possuía. Era um local espaçoso com quarto, uma pequena sala conjugada com a cozinha e um banheiro. Carol se sentia nas “nuvens”. Não precisavam se preocupar com coisa alguma. Então eles passavam o dia caminhando, ou remando nos pequenos barcos que havia no lago ao fundo do resort, e também pescavam. Outras vezes ficavam na piscina; disputavam partidas de vôlei, faziam ginástica. À noite, jogavam carteado com outros casais que conheceram durante a estadia.

Nos dias de muito frio eles preferiam passar mais tempo no chalé, escutando música ou assistindo a um bom filme.

Na última sexta-feira que ficariam no chalé, eles chegaram de volta do restaurante e encontraram a janela aberta. Acharam aquilo estranho, pois as camareiras não mexiam na janela a pedido de Carol. Ela gostava do quarto quente, então era só não abrir a janela.

– Você autorizou a abertura da janela? – Perguntou Renato.

– Não. Então olhe p’ra ver se não falta alguma coisa no quarto. Não que eu esteja desconfiando das camareiras, mas, de hóspede, eu desconfio.

– Sumiu um pedaço de peixe do frigobar, ou você comeu tudo ontem, Carol?

– Não comi não, estava muito cheia e já era bem tarde. Bem, amanhã a gente deixa a “isca”. Qualquer coisa, o “peixe vai morrer pela boca”. Você trouxe a nota falsa, não trouxe? Amanhã, deixamos os “50 reais” na mesa. Esse dinheiro nunca falha!

– Tomaram banho e foram dormir.

Por volta de umas duas horas da madrugada, Renato acordou irritado:

– Carol, essa pantufa sua já me encheu o saco! Vou dormir no sofá, chega!

– O que foi, Mozinho? Estou com muito sono…

– Essa pantufa de onça relando no meu pé de novo! Fui.

– Meu bem, acenda a luz! Hoje não estou com pantufa. Como senti calor, tirei. Você deve ter sonhado.

– OK, vou pensar se acredito!

– Vai… apaga a luz, meu bem! Não estou com a pantufa.

Meia hora depois, Renato acende luz, puxa a colcha da cama… e os dois gritam:

– Um gato!

– Acho que temos visita! Como pode ter aparecido um gato aqui! – Carol pulou da cama e o gato continuou dormindo como se nada houvesse acontecido. Ele até roncava.

Renato tirou uma foto do folgado; pegou o animal; abriu a porta do chalé e o colocou para fora.

– De manhã, vou chamar a segurança para saber quem deixou a maldita janela aberta.

– Está resolvido, Mozinho! Ele não está mais aqui. Apague a luz e volte a dormir.

Quando abriram a porta do chalé de manhã cedo, lá estava o gato olhando para o casal como se dissesse: “Deixe eu ficar aí?”

– Tranca essa janela direito. Talvez o peixe foi parar na pança dele… Vamos à Recepção saber o que aconteceu com a janela. Eu não a deixei aberta. E os 50 reais, você deixou na mesa, Mozinho?

– Sim. – Respondeu o marido secamente.

Na Recepção, explicaram o caso ao gerente e relataram o sumiço do peixe. Carlos acionou o sistema de câmeras. Por incrível que pudesse parecer, havia uma instalada perto janela do chalé 25. Voltaram as imagens e perceberam que, no fim da tarde, um gato preto abriu a janela que estava apenas encostada e pulou para dentro do chalé.

– O Nino de novo!…

– Quem é Nino? Não vai me dizer que este gato tem até nome? – Indagou Carol.

– Desculpe, senhora. Nino é esse gato preto que foi abandonado ainda filhote aqui no resort no ano passado. Alguns funcionários sentiram pena do bichano. E se abandonássemos teríamos problema, então castramos e cuidamos muito bem dele. Fazemos uma vaquinha mensal para custear tudo. Vacinas e exames em dia, ele também é castrado. Sempre pedimos aos hóspedes para cuidarem devidamente dos seus pertences, portas e janelas dos chalés, porque às vezes ele rouba alguma coisa, mas é um gato muito carinhoso. Tentamos adestrá-lo, mas sem sucesso.

– Desculpa digo eu, senhor Carlos! Vamos embora depois de amanhã. Um gato pula dentro do chalé onde estou hospedado com a minha mulher e vai dormir no pé da cama? Ainda rouba o peixe dentro do frigobar? Um gato assaltante! Ave-Maria! Esse resort é muito caro para ter invasão de gatos…

– O que podemos fazer pelos senhores é diminuir uma diária no valor total para compensar esse incidente…

– É o mínimo! – Falou Carol.

– No domingo a gente conversa… – Disse Renato, encerrando o assunto.

– Calma, Renato, foi só um gatinho…

O homem ficou emburrado o resto do dia. Quando chegaram ao chalé à noite, depois do jantar, lá estava o gato preto deitado no tapete da porta.

– Ô, gato, vaza daqui!

– Renato, pare de implicar com o bicho. Ele não nos fez nada. Só roubou um peixe…

Abriram a porta, entraram e foram dormir.

Às 4 horas da manhã, Renato levantou para ir ao banheiro e quando chegou à porta, quase teve um ataque:

– Nino! Outra vez! Vai embora daqui. – Ele abriu a porta do chalé. Era um frio que dava dó! – Carol, acorda! Está muito frio e eu ponho esse gato do lado de fora do chalé e ele entra de novo! Já foram 5 vezes! Não sei o que fazer… Ah… eu sei… Vamos embora hoje mesmo!

– Mozinho, deixa esse gato no sofá. O bicho é bem cuidado. Ele deve estar com frio… OK, vamos embora depois do café… Pelo amor de Deus, agora me deixa dormir!

O casal levantou cedo e, na porta do quarto, estava o gato. Juntaram seus pertences e saíram do chalé. Nino foi atrás. Fecharam a conta, da qual foram descontadas duas diárias, uma de ressarcimento por causa do Nino e a outra do domingo – já que estavam de saída no sábado.

Carol estava contrariada por ter de “obedecer ao marido” e voltar para casa um dia antes do combinado.

No meio da viagem, pararam a fim de comprar uns doces e quando foram colocar as compras no banco de trás, viram um rabo debaixo do banco de Carol. Ela puxou e era Nino outra vez!

Como o automóvel era bem espaçoso, não perceberam que o gato entrou por uma das janelas dianteiras quando eles colocaram a bagagem no carro ainda no resort.

– Eu não acredito! Esse gato veio junto! Como você deixou, Carol?

– Eu? Agora a culpa é minha?! Não me enche, Renato!

– Ih… Será que esse gato escolheu a gente? Ah… mas a gente tem que devolver! Ou ponha esse gato p’ra fora! Largamos ele aqui.

– Vamos ser acusados de abandono, ainda mais numa parada de estrada… Eu não vou correr esse risco não!

– Dizem que gato escolhe…

– Sim, Renato! A sabedoria popular diz que gato escolhe… Então fomos escolhidos?

– Até que ele é bonitão e carinhoso, né? Esse danadinho pulou duas vezes no chalé, fez a gente de bobo e entrou no carro, ficando quietinho mais de 100 km… Acho que ele queria era a gente mesmo…

– Vamos ficar com ele, Mozinho?

– Com uma condição: você nunca mais dorme de pantufa!

– Negócio fechado!

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.