Por que tendemos a perceber emoções e não sentimentos? Por Luciana Goloni.

Os conflitos estão presentes em nossas vidas o tempo todo e nos afetam em diferentes cenários: familiar, pessoal, profissional etc. O que caracteriza o conflito é a divergência de interesses entre as partes.

Seria possível lidar com as divergências que afloram todo o tempo se pudéssemos interpretar o conflito inicial: o interno. Antes de se perceber um possível atrito entre nós e outras pessoas, acontece um fenômeno emocional interno. É impossível notarmos um desconforto sem acender um alarme que denota o incômodo.

O alarme que traz à tona o conflito interno é a emoção. Diante de uma situação que contraria o nosso bem-estar, sentimos uma emoção desconfortável. Em outras palavras, a emoção é a resposta a um estímulo externo. Algo fora está em descompasso com alguma necessidade que deixou de ser atendida. A emoção resultante poderá ser raiva, medo, tristeza…

A emoção surge da tentativa de restabelecer o bem-estar e diz respeito a respostas instintivas. São reações inconscientes geradas no cérebro primitivo, subcortical. Mas então, o que seriam os sentimentos e como a distinção entre emoções e sentimentos nos ajudariam a resolver conflitos?

Os sentimentos são a forma racional das emoções, gerados na porção neocortical do cérebro, em nosso campo mental. A partir dessa explicação, já conseguimos depreender que os sentimentos são um segundo passo no desencadear dos nossos incômodos. Enquanto as emoções são um impulso, os sentimentos são interpretações cognitivas e, portanto, depois de toda cadeia emocional, temos tempo de ler como nos sentimos diante de determinados cenários.

A grande questão é: como as emoções são resultado de instinto e sentimentos precisam ser interpretados, a maioria de nós tende a ficar somente no impulso e não chegar a ler que sentimentos são gerados diante dos conflitos. É mais fácil nos mantermos na superfície das questões, ou seja, nas emoções, e não adentrarmos na profundidade dos sentimentos.

Para exemplificar e tornar a questão clara, vamos trazer uma história. Uma mulher fica furiosa com o marido pelo fato de ele ter-se esquecido da data do aniversário de casamento. A emoção que ela sente é a raiva. Ela, diante dessa emoção, ao ver o marido, despeja toda a sua raiva em cima dele e já começa a esbravejar. Pode-se ver claramente que o conflito foi inevitável, pois ela agiu no impulso de sua emoção. Porém, caso tivesse conseguido ter inteligência emocional para refletir sobre a situação, talvez pudesse ter acessado seu sentimento diante da emoção. Depois da raiva gerada, o sentimento foi de frustração, por não ter sua necessidade de conexão atendida.

Quando paramos para entender o porquê do aparecimento de determinada emoção, conseguimos acessar o sentimento, que surge não na porção instintiva do cérebro, mas em sua porção cognitiva. E, para isso, precisamos de um momento de reflexão. Ao agir sem meditar sobre os acontecimentos, estamos dominados pelos instintos e não demos espaço ainda para interpretar o que gerou a convulsão emocional. Ao nos darmos esse tempo, é possível entendermos o que se passa ainda num nível interno e, a partir de então, conseguimos expressar o que, de fato, foi responsável pelo nosso desconforto. Sem essa pausa agimos imbuídos do que está na superfície e damos margem a todo tipo de conflito. Caso a mulher tivesse conseguido entender a razão de sua frustração, poderia estar mais calma para uma conversa e, então, explicar para o marido por que é tão importante para ela determinada questão. Do contrário, abordar alguém com raiva jamais trará bons resultados.

A resposta ao título do artigo é a seguinte: tendemos a perceber as emoções em detrimento dos sentimentos pelo fato de o acesso ao último ser feito em um campo mental, cognitivo. Como a maioria de nós não tem inteligência emocional para refletir sobre as emoções primárias diante do que nos é desconfortável, o segundo passo, que é a interpretação do fenômeno, dificilmente acontece e, por consequência, as abordagens são majoritariamente impulsivas e tendem a gerar conflitos.

Luciana Goloni é palestrante e consultora em Comunicação Empática. Professora do IDCE Escola de Negócios, é pós-graduada em Negócios Internacionais pela UERJ. https://www.linkedin.com/in/lucianna-golonni/