PL das 'Fake News' - Sobre marcas, publicidade e desinformação. Por Mariah Guedes.

O mercado publicitário aguarda, com certa apreensão, a votação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 2630/2020, intitulado oficialmente de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e apelidado de “PL das Fake News”.

Iniciativa do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), o texto aprovado no Senado contém uma série de apensados (anexados à proposta original) e faz menção a outras legislações nacionais recentes que tratam de assuntos semelhantes – como o Marco Civil da Internet (No. 12.965, de 23 de abril de 2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (No. 13.709, de 14 de agosto de 2018). Ainda sem data prevista para entrar em pauta, o tema traz certa preocupação: como a publicidade digital poderia ser afetada por estes novos requisitos legais?

Partindo de uma composição que aborda o “fortalecimento do processo democrático” (afinal, sua principal motivação é a salvaguarda do período eleitoral brasileiro – alô, Telegram…), o documento cita termos próprios da comunicação publicitária no ambiente online (sendo “conteúdo patrocinado” e “impulsionamento” dois dos itens mais destacados) para fazer algumas reduções de atuação que têm sido interpretadas por players do setor como tentativas de coibir (ou até interromper) essa atividade no país – responsável por uma movimentação de cerca de 24 bilhões de reais em 2020, conforme dados do relatório “Digital AdSpend” (IAB Brasil + Kantar IBOPE Media).

Independentemente tanto do lobby empresarial contra alguns artigos do PL (com intuito de diferenciar publicidade e propaganda) quanto da visão restrita empregada em trechos da proposição legislativa (mesmo que bem-intencionada), é necessário acompanhar os possíveis desdobramentos desta implementação, e observar eventuais impactos em tópicos como a mídia programática (aquela que, resumidamente, é comprada de forma automatizada e com limitações de escolha quanto ao espaço exato de veiculação – apesar de existirem filtros temáticos que auxiliam anunciantes na proteção de suas marcas). Dentre as subáreas do marketing digital que podem ser afetadas, esta parece ser a de maior relevância.

Nos últimos cinco anos, o avanço de movimentos como “Sleeping Giants” tem aumentado, e isso faz crescer também a cobrança sobre marcas e empresas. Eles denunciam o uso de anúncios publicitários programados para financiamento de desinformação, discursos de ódio e outras questões que não deveriam caber em uma sociedade democrática. Uma solução, portanto, seria verificar de onde vêm os investimentos que estimulam determinados discursos reproduzidos na rede, especialmente aqueles com características inautênticas (o que revelaria a utilização de ferramentas como os bots, para amplificação em massa). É nesse contexto que se insere o referido Projeto de Lei.

Como publicitária, sou defensora de marcas que entendem seu papel social. Especificamente no cenário online, penso que há diversas oportunidades ainda inexploradas em prol da segurança neste ambiente. Este, inclusive, foi objeto do meu projeto premiado no final de 2021 com o 3o. lugar no II Ciclo de Formação em Segurança Digital – Avast/ITS. Na minha proposta, discorro sobre a importância da transformação das marcas em espaços seguros, explicando conceitos como brand safety e brand suitability (traduzidos respectivamente para “segurança de marca” e “adequação de marca”).

Há uma conjuntura favorável de responsabilização das marcas, que ganham em reputação ao se mostrarem comprometidas com a “sanitização” da internet e das redes sociais: orientando clientes quanto a ciberfraudes, relacionando-se com parceiros e fornecedores que compartilham de sua visão e reforçando seu posicionamento (tratado em colunas anteriores). Todas estas são boas práticas deste campo aberto pelas Tecnologias da Informação. E, nele, a Comunicação e o Direito precisam se aproximar. Vamos ficar de olho.

P. S.: a coluna de hoje foi motivada por uma amiga que é relações-públicas, e está sempre de parabéns. Agradeço a leitura e conto com as contribuições de vocês. Até quarta que vem.

Mariah Guedes é mestra em Comunicação & Cultura, leitora ávida, canhota, macaense e queer. Acompanhe sua trajetória acadêmico-profissional em https://br.linkedin.com/in/mariahguedes.