Para o ex-amigo soldado! Por Juliana Fernandes Gontijo.

Esta foi uma pequena carta deixada em cima do pneu de um tanque de guerra numa cidade da Ucrânia. Para uma criança de 10 anos não seria uma carta tão pequena assim…

Ex-amigo soldado,

Meu nome é Aleksei Rusla. Eu tenho 10 anos e não conheço meus pais. Tudo o que eu sei é que fui deixado no orfanato. Eu morei lá até hoje de manhã, quando as moças que cuidavam de mim e dos meus amigos pediram para a gente sair correndo. Uma bomba quase matou todos nós. Elas não disseram, mas eu vi Dmitri e Yuri caídos no chão. Tinha muito sangue. Olga tampou os meus amigos com um lençol branco e rezou por eles. Eu também rezei, porque eu sei que eles morreram. Eles não conseguiram descer para o bunker com a gente… Por isso, hoje é um dia muito triste para mim. É o dia mais triste da minha vida. Eu já não tinha família, nunca conheci meus pais, também não vou ter um irmão.

O prédio onde eu morava ficou todo destruído e o parquinho também. Eu só tenho essa roupa que estou vestindo. Na minha mochila tem uma garrafa d’água, um pacote de bolacha, um caderno, um lápis e um pequeno cobertor. Os meus documentos estão com Olga. Ela vai entregar a quem me receber em algum lugar…

Os meus amigos choram, eu também. Mas eu tento ser forte e entender porque isso acontece aqui na Ucrânia. Era um país tão bonito, tão alegre. As moças que cuidam de mim choram muito também, porque nós não temos mais uma casa. Perdemos tudo!

Elas têm pai, mãe, filhos, maridos. Cada uma vai para sua família. E nós, crianças, que não temos ninguém? Quem vai cuidar da gente? Elas falaram que vamos ter que andar muito, muitos quilômetros, para chegarmos à estação de trem. Vamos precisar esperar umas 4 ou 5 horas, talvez mais, para o trem chegar e não sabemos nem se vamos conseguir uma poltrona vazia para sentar. Disseram que, da Polônia, nós vamos para a Itália, aquele país que se parece com uma bota de salto alto.

Eu estou muito cansado, com medo, tenho fome e muito triste! Estamos em outro bunker, descansando um pouco para voltarmos a caminhar. Olga disse que vão ser mais uns 7 quilômetros e, depois, vamos parar de novo se não conseguirmos um ônibus. Somos 13 crianças e 5 moças que trabalhavam no orfanato. Enquanto isso, estou aqui te escrevendo. Eu chamo você de ex-amigo, porque estou muito triste com você! Todo mundo dizia que soldado protegia a gente. Mas que proteção é essa, com tanta gente morrendo? Não acredito mais em soldado!

Por que tanta bomba caiu aqui? Por que tantas pessoas estão morrendo? Afinal, por que essa guerra começou?
Eu quero que essa guerra acabe! Eu não quero morrer também. Eu quero brincar, crescer, poder estudar para ser médico. E eu vou cuidar das pessoas para ninguém mais morrer.

Eu não sou tão pequeno assim, mas eu não entendo: porque as pessoas matam as outras?

O céu é bonito, a natureza também é, muitas pessoas são boas. E por que existem pessoas ruins? Por quê?

Eu sempre entendi que o soldado era para nos proteger. Mas estou vendo um soldado matando o outro e depois vem um avião enorme, muito barulhento e joga uma bomba, igual àquela que caiu orfanato. Você não sabe como eu estou triste! Todo mundo na Ucrânia está triste.

Você conhece quem mandou fazer isso? Conhece? Então, fale com ele que é para ele parar! Ele não tem pai e mãe, não tem filhos? E se o filho dele morresse igual ao Dmitri e o Yuri que morreram no orfanato? Eu vi!

Por favor, peça a ele que pare porque eu sei que Deus está triste com ele, muito triste com ele! Eu e todas as pessoas da Ucrânia e do mundo estamos muito tristes com essa guerra! Você não está não?

Adeus!

Olga está me chamando para a gente continuar a caminhar e chegar à estação de trem.

Eu tenho esperança e muita fé, mas eu estou muito triste. Eu sei que, quando eu chegar lá na Itália, alguém vai cuidar de mim e dos meus amigos. Um dia, vou ser médico para cuidar de todo mundo e não deixar ninguém morrer igual muita gente que está morrendo aqui na Ucrânia. Olga me falou que Dmitri e Yuri estão lá no Céu rezando por todos nós. Eu sei que isso é verdade. Eles eram meninos muito bons.

Eu prometo! Um dia, eu voltarei aqui na Ucrânia para salvar a vida de muitas pessoas que não conseguiram ir embora daqui.

Soldado, pare com esta guerra! Eu te peço por favor!

Com muita tristeza,

Aleksei Rusla

Isto não é fake news. Aleksei é um personagem fictício. Certamente, muitas crianças pensam como ele, não é verdade? Deus, proteja nosso planeta!

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.