OBSERVE-SE - Claro oscuro. Por Mariana Vieira.

Quando criança, subia em uma pedra no alto da rua só para ver as luzes da cidade.

E ali, na penumbra daquele universo esquecido, imaginava como seria aquilo tudo que brilhava do lado de fora.

O que as pessoas iam fazer lá, perto daquelas luzes todas?

Engraxates, costureiras, cabeleireiras e todos os operários da estética, da aparência da ocasião, moravam comigo ali na rua.

E ficavam prontos em seus postos de urgência para a transformação da clientela que vinha de longe.

E quem chegava liso, saía cacheado.

Morenos, aloirados.

Rotos, empertigados.

E depois de, por assim dizer, modificados, voltavam à cidade iluminada.

E quando as minhas pernas, enfim, permitiram-me sair daquela pedra, corri pelas avenidas e pude então ver as tais luzes bem de perto.

O tilintar das taças, a música das gargalhadas em cadência e a babel da perfumaria estavam li agora na minha frente, como atores prontos a entrarem em cena numa espécie de palco encantado.

E depois de tudo visto, achei graça a meu respeito e também dos atores e das roupas e do cenário.

E também das luzes que já não brilhavam tanto.

E ri dessa cilada sedutora das luzes, do brilho fosco dos desejos de minutos.

E, voltando à pedra, abracei a menina.

Ela me sorriu, aliviada em saber que as trasformações mais bonitas acontecem no sereno anonimato do escuro.

Mariana Vieira é escritora, letrista e advogada. Autora dos livros “Sinto muito, eu te amo (poética dos afetos)”, “Poética dos Absurdos” e “Entre”.