OBSERVE-SE - A visita. Por Mariana Vieira.

Com o tempo a gente foge da vida, como quem fecha os olhos para não ouvir as badaladas dos sinos do tempo.

A gente se esquece do amor para não correr perigo.

A gente não acorda porque tem medo da rua.

Eu? Eu sonho mais cedo porque sofro de esperas e ainda parto à sua procura.

A gente se perde para que alguém encontre.

É o certo? Não. O correto é que devia estar escrito assim: “a gente se encontra para que, em nós, ninguém se perca”.

Este é o correto a ser dito, a ser escrito, a ser registrado, selado com a saliva pura e destilada de quem profere somente as boas novas.

Depois, se enfeita a placa numa parede branca da casa ou mesmo na cerâmica fria da cozinha, para se mostrar a toda visita o tanto que a casa toda é evoluída.

Mas, enquanto o estranho fica, a porta me olha como quem conhece o meu desgosto.

Entre um chá e um biscoito, os desenhos da sua madeira bem tratada me revelam as verdades ali depositadas no secreto das minhas dores, todas elas acauteladas cada vez que ela se fecha.

As frases de efeito decoram a casa em suas extremidades e o seu colorido é desbotado pelo Sol que bate sempre com essa mania de trazer verdades.

A visita fica. Quer ser a placa colorida, a casa, o biscoito e provavelmente pense que eu seja tudo isso.

Ela fica porque não sabe o que sabe a porta.

Mariana Vieira é escritora, poeta, artista plástica e advogada. Formou-se em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), atuando notadamente na defesa dos Direitos da Mulher. É autora dos livros “Sinto muito, eu te amo – a poética dos afetos” e “Poética dos absurdos”.

Imagens: Mariana Vieira.