NOVA COLUNISTA: Rafaela Sinderski - Afinal, o que é democracia? O apoio e a compreensão do brasileiro em relação ao regime democrático.

Dados de opinião pública revelam o que a população acredita ser relevante para uma sociedade democrática. 38,4% dos brasileiros defendem a democracia como melhor forma de governo.

Nos últimos anos, as discussões sobre democracia têm atiçado os ânimos na esfera pública brasileira. Esses debates oscilam entre a defesa do regime democrático e sua condenação, acompanhada, muitas vezes, de pedidos pelo retorno da ditadura militar.

De vida relativamente recente, a democracia no Brasil se reestabeleceu com as eleições presidenciais de 1989 – após cerca de 20 anos de suspensão devido ao golpe de 1964. Porém, desde então, encara problemas que ameaçam suas estruturas. Para autores como Baquero, Ranincheski e Castro (2018), a falta de confiança dos cidadãos em instituições políticas está entre os principais riscos para o modelo democrático de governança. E esse cenário não é exclusivo do território tupiniquim, mas algo compartilhado por seus vizinhos latino-americanos. Mesmo décadas depois da mais recente onda de democratização ocorrida no fim século XX, muitos países da América Latina seguem enfrentando um clima generalizado de desconfiança institucional (MISCHLER E ROSE, 2001; POWER E JAMISON, 2005). Para agravar o quadro, a situação costuma ser acompanhada de contextos marcados por “fortes disparidades, desigualdade de renda e um Estado de Direito contestado” (GUERRERO E MÁRQUEZ-RAMÍREZ, 2014, p. 293).

No Brasil, o debate “ditadura versus democracia” foi inflamado pela eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018. Desde antes de sua campanha eleitoral pela Presidência, o político tem reforçado o conservadorismo e incitado o saudosismo em relação ao regime militar. Episódios como a homenagem que fez ao ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi entre 1970 e 1974, durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (1) servem como exemplos disso. Em outros momentos, Bolsonaro expressou apoio ao AI-5 como medida de “contenção do comunismo” (2) e questionou a legitimidade da Comissão Nacional da Verdade (3).

Esses discursos se tornam combustível de posturas antidemocráticas, especialmente em meio a uma conjuntura de desconfiança. Todo esse panorama nos leva a questionar o grau de apoio do brasileiro em relação à democracia. Dados de 2019 do Projeto de Opinião Pública da América Latina (LAPOP) mostram que 38,4% da população concordam fortemente com a frase “A democracia tem alguns problemas, mas é melhor do que qualquer outra forma de governo”, dando a ela as pontuações 6 ou 7 em uma escala de concordância que vai de 1 a 7.

Somente 11% discordaram muito da colocação, escolhendo os números 1 ou 2. A maioria dos brasileiros (48,6%) apresentou um posicionamento moderado em relação à questão, pontuando, no índice de concordância, os valores 3, 4 ou 5.

Sabendo, então, que a maior parte dos cidadãos defende o regime democrático, resta compreender o que o brasileiro entende por democracia. Para isso, foram considerados os dados de opinião pública da World Values Survey (WVS) para 2018. Foi dada atenção à seguinte questão: “Muitas coisas são desejáveis, mas nem todas são características essenciais da democracia. Por favor, diga, para cada um dos seguintes elementos, o quão essencial você acha que é para a democracia”. As respostas foram registradas em uma escala de 0 a 10, em que 1 significava desimportância e 10 indicava extrema importância. Com a escolha do 0, o entrevistado afirmava que o atributo era antidemocrático.

Para 65,1% dos brasileiros, a possibilidade de escolher líderes políticos em eleições livres é essencial para a democracia – eles escolheram o 10 na escala de importância. 15% selecionaram valores entre 6 e 9; 8,6% escolheram o 5; 5% se posicionaram entre o 2 e o 4; 5,8% marcaram o número 1 e apenas 0,5 consideraram esse ponto como não democrático.

A defesa de direitos civis que protejam os cidadãos da opressão do Estado também alcançou alta taxa de aprovação. Entre os respondentes, 52,2% consideraram essa característica como algo extremamente importante para uma sociedade democrática. Cerca de 22% se colocaram entre 6 e 9 na régua que mensura a relevância do atributo. 10,5% tiveram um posicionamento moderado sobre a questão, escolhendo o 5. 5,5% ficaram entre o 2 e o 4. 9,3% acreditam que essa proteção não é importante para a democracia e 0,4% a consideram antidemocrática.

A polarização surge ao questionar a população a respeito da distribuição de riquezas. Somente 27,3% dos brasileiros acreditam que, para que haja democracia, é essencial que o Estado torne iguais as rendas das pessoas. 29,6% defendem que esse elemento não é importante para que um país seja democrático. 18,6% dos entrevistados se posicionaram entre os valores 6 e 9, enquanto 11,1% se colocaram entre 2 e 4. 0,7% encaram esse atributo como antidemocrático.

A partir disso, pode-se perceber que o público aceita e acolhe questões institucionais como as eleições. Também enxerga a liberdade como peça fundamental de sua compreensão a respeito da democracia. A dimensão social, contudo, divide opiniões. Segundo José Álvaro Moisés (2010), no Brasil, questões como a igualdade social são menos valorizadas como traço democrático do que os tópicos que são mais conectados ao indivíduo, às suas escolhas e ao seu direito de ser livre. Os dados aqui mostrados também apontam para essa direção.

(1) Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-menciona-chefe-do-doi-codi-ao-votar-pelo-impeachment-2-19112343>. Acesso em 4 mar. 2021.

(2) Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/doze-vezes-em-que-bolsonaro-e-seus-filhos-exaltaram-e-acenaram-a-ditadura/>. Acesso em 4 mar. 2021.

(3) Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/07/30/bolsonaro-chama-de-balela-documentos-sobre-mortos-na-ditadura.ghtml>. Acesso em 4 mar. 2021.

Referências

BAQUERO, M.; RANINCHESKI, S.; CASTRO, H. C. de O. A formação política do Brasil e o processo de democracia inercial. Revista Debates, v. 12, n. 1, p. 87-106, 2018.

GUERRERO, M.; MÁRQUEZ-RAMÍREZ, (Eds.). Media systems and communication policies in Latin America. Springer: Palgrave Macmillan UK, 2014.

MOISÉS, J. A. Os Significados da Democracia Segundo os Brasileiros. Opinião Pública, v. 16, p. 269-309, 2010.

MISHLER, W.; ROSE, R. What Are the Origins of Political Trust? Testing Institutional and Cultural Theories in Post-Communist Societies. Comparative Political Studies, v. 34, p. 30-62, 2001.

POWER, T. J; JAMISON, G. D. Desconfiança política na América Latina. Opinião Pública, v. 11, n. 1, p. 64-93, 2005.

Imagem: Pixabay.

Rafaela Sinderski é doutoranda em Ciência Política, mestre em Comunicação e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) e integrante da equipe editorial da revista Compolítica. Tem interesse em pesquisas sobre tolerância, conflito político, conversações políticas on-line sobre temas sensíveis, formação da opinião pública e mídia e eleições.