Recém-completados dois meses que nossas conhecidas vidas mudaram, que trocamos compulsoriamente escritórios por nossas casas, jantares em restaurante por deliveries, ‘idas’ ao salão de beleza por tutoriais do YouTube e assim por diante, o que podemos esperar para as novas rotinas e relacionamentos dos consumidores no pós-Covid-19?
É unanimidade falarmos que não seremos mais os mesmos, que as relações com marcas e suas experiências mudarão e, devido a esta mudança, empresas terão que reaprender a se relacionar com seus clientes novamente. Deixaremos de lado a necessidade de consumir marcas e passaremos a exigir – cada vez mais – experiências que, além de únicas, façam sentido para a nossa comunidade – as pessoas ao nosso redor.
Empresas terão que se remodelar e superar o seu básico cumprimento de regras e normas da relação com seus clientes, e oferecer relacionamentos individuais que se adaptem à real necessidade de seus consumidores. Somado a isto, veremos uma nova onda de conscientização do valor das coisas. Será que ainda seremos capazes de gastar centenas de reais em uma única tarde em um bar? Ou até mesmo milhares de reais por aquele item de marca recomendado por um famoso?
Fomos atirados a este novo mundo, do dia para a noite, e as suas mudanças serão tão significativas que quem não se readequar será engolido por este tsunami que nos atingiu; não haverá chances de empresas errarem em suas estratégias no ‘novo normal’. Estratégias assumidas anteriormente não terão mais eficácia a partir de agora. Percebemos este novo consumidor por meio de recentes acontecimentos, vide o exemplo da venda de máscaras de uma famosa marca carioca pelo singelo valor de R$147,00: a repercussão foi tão negativa frente a esta ação que a venda foi suspensa poucos dias após ser iniciada e, com isto, a empresa passou a ser duramente criticada em diferentes canais de mídias socais. Acompanhamos também o emblemático caso da influenciadora fitness que, ao realizar uma festa em sua casa, em plena quarentena, foi duramente criticada e perdeu contratos publicitários que chegavam à casa de R$ 3 milhões, além de ter perdido milhares de seguidores em sua rede social – que mais tarde veio a ser desativada, sendo que esta era uma importante ferramenta para seus negócios.
Mas, o que podemos analisar com estes dois casos citados? Para compreendermos melhor temos que entender o que se passa por trás da cena, o que fez com que houvesse tantas críticas para ambos os fatos. Nos dois casos fica nítido que a cabeça do consumidor mudou (ou está mudando); o que antes poderia ter sido considerado normal, passou a não ser mais aceito. No primeiro caso, o pagamento de R$147,00 por duas máscaras, por ser de uma famosa marca, tornou-se inadmissível – houve o julgamento de que a empresa quer manter seus altos lucros em cima de um item comum que pode ser adquirido em outras vias, muitas vezes até gerando uma ajuda assistencial para outra pessoa. No segundo caso, foi cobrada a atitude de conscientização coletiva, pois não há mais espaço para o individualismo de ações egoístas, além da própria influenciadora fitness – as marcas que a patrocinavam sofreram impacto negativo, pois entendeu-se que elas compactuariam com a atitude da sua patrocinada.
Fica claro que, cada vez mais, o aspecto social estará atrelado ao dia a dia de uma marca, que lucros abusivos já não serão vistos com bons olhos, que empresas sem reais diferenciais perderão o seu lugar no mercado. Por qual motivo um consumidor deverá consumir o serviço de uma conhecida franquia, por exemplo, se ele poderá escolher aquele estabelecimento perto de onde mora, de uma vizinha conhecida, pelo mesmo preço (ou até menor) e que oferece o mesmo serviço? Além disso tudo, ainda irá ajudar sua vizinha, uma pessoa conhecida e que faz parte da sua comunidade. Qual será o diferencial que a franquia poderá oferecer, e que ele não encontrará em nenhum outro lugar, para que ele se mantenha fiel a ela? Não bastará mais ter a sua marca conhecida, patrocinar influenciadores digitais para divulga-la, a partir de agora será obrigatório conhecer o que está acontecendo na mente do seu consumidor – de uma forma individual e não generalista, quem não entender o que se passa na cabeça das pessoas não conseguirá manter seu sucesso. Quem não entender este novo consumidor, ficará para trás nessa nova corrida que acabou de começar.
Constantemente sou questionada se há uma forma mágica de se fazer isto, se há um padrão de boas práticas a ser seguido, se é possível através do macro ver o micro. Neste momento, minha resposta é única, e ela é negativa, não há nada já feito que possa somente ser replicado, não pelo menos se você quiser criar o conceito que tantos falamos de individualização da experiência, chegou o momento de darmos um mergulho profundo e vermos o micro para entendermos o macro, de entender de forma individual o que faz sentido ser ofertado para o cliente. E isto dará muito trabalho? Sim dará, mas te garanto que será um caminho sem volta que te levará ao sucesso. Passar por este momento tão atípico também pode ser útil pois há a oportunidade de se reinventar, de ajustar as arestas que não fazem mais sentido e iniciar um novo conceito.
Gosto de pensar que voltaremos back to basic, porém com as exigências adquiridas anteriormente, de que desejaremos o simples, porém carregado em uma experiencia única, marcante e feita de forma exclusiva para cada um. Devemos esperar então um consumidor muito mais consciente, exigente e aberto a novas possibilidades no mundo pós-Covid-19, e que exigirá em suas novas rotinas aquilo que realmente faz sentido.
–
Naomi Tatekawa, graduada em Relações Internacionais, especialista em Inteligência de Mercado, com experiência de 10 anos nos maiores e mais renomados institutos de Pesquisa de Mercado do mundo. Durante estes 10 anos foi responsável pelo gerenciamento de alguns projetos importantes do mercado no segmento de Consumer Experience.