NOVA COLUNISTA: Carolina Attili - Empreendedorismo para quem?

É certo que com a crise sanitária provocada pela epidemia da Covid-19 em 2020 a economia brasileira sofreu profundamente e ainda continua sofrendo seus efeitos devastadores. O número de desempregados no país aumentou de forma absolutamente catastrófica e muitos buscaram como saída para a sobrevivência aventurar-se no mundo do empreendedorismo. Claro que muitos empresários também foram terrivelmente atingidos pela crise e muitas empresas e comércios foram fechados, principalmente na área de serviços, que ainda não se recuperou do saldo negativo.

Por isso, quero tratar aqui somente daqueles pequenos empreendedores, ou seja, dos chamados MEIs ou microempreendedores individuais. O MEI surgiu através de uma lei complementar no ano de 2009 com o objetivo de ajudar a legalizar aqueles empreendedores que trabalhavam sozinhos e por conta própria, seja como prestadores de serviços ou como pequenos comerciantes. O objetivo era, além da formalização, desburocratizar e diminuir os custos para a abertura de uma pequena empresa; a abertura da empresa é gratuita, o CNPJ sai na hora e é permitida a emissão de nota fiscal eletrônica sem pagamento extra de impostos, dentro da lei do Simples Nacional. A figura do MEI desde então – rapidamente – ganhou imensa popularidade no país por oferecer ao indivíduo, por uma pequena contribuição mensal, a cobertura dos benefícios do INSS, como, por exemplo, a contribuição previdenciária para a aposentadoria, o auxílio-maternidade e o auxílio-doença.

Onze anos se passaram desde a criação da figura jurídica do MEI e segundo dados do SEBRAE, em 2019, haviam se formalizado no país mais de 8 milhões de microempreendedores. Esse número, porém, traz alguns dados alarmantes, como por exemplo o fato de que muitos desses novos microempreendedores na verdade abrem uma empresa não por vocação e desejo de empreender, mas sim para fugir do desemprego. Seja através de “bicos” ou para gerar uma renda extra, o MEI – por ter direito à inscrição de um CNPJ -, permite que o empreendedor possa emitir nota para empresas e para o governo, facilitando assim as suas transações e aumentando a sua capacidade e possibilidades de trabalho.

Mas o que tem se visto, por outro lado, é um número crescente de pessoas que estão se vendo “obrigadas” a abrir um CNPJ como MEI para conseguir um trabalho formal, como funcionário, ou seja, a chamada “pejotização”. Embora a lei sancionada em 2017, no governo Temer, tenha alterado algumas características dos contratos CLT, pouco foi alterado a respeito das formas de trabalho e contratação das chamadas “PJs”, ou seja, pessoas jurídicas. Por conta dessa, podemos dizer, “brecha” na lei, muitas empresas, especialmente as startups e organizações de pequeno porte da área de tecnologia e do terceiro setor, têm visto na possibilidade de contratar pessoas jurídicas do tipo MEI uma ótima oportunidade de se obter um funcionário que trabalhe “como um celetista”, com horário pré-determinado e subordinação, porém que emita nota fiscal como empresa/empresário, retirando assim das costas da empresa “cliente” toda e qualquer obrigação de arcar com os gastos previdenciários a que este trabalhador teria direito se fosse contratado pelas regras da CLT.

Basta uma pequena busca na internet em sites de vagas de emprego ou redes sociais para encontrar milhares de oportunidades de trabalho que exijam a abertura de MEI, muitas vezes para trabalhos temporários, com prazo determinado de um ano, com horário de entrada e de saída pré-definidos, dedicação de 40 horas semanais, subordinação hierárquica e muitas vezes até são oferecidos “benefícios” normalmente pagos aos empregados CLT, como por exemplo vale-transporte, vale-refeição e auxílio-saúde. Como se não bastasse tudo isso, muitas vezes o salário oferecido é o mesmo que seria caso o contrato fosse CLT, ou seja, a empresa deixa de arcar com os custos de um empregado formal, porém esse valor economizado não é repassado em nada para o pagamento do “funcionário”/pessoa jurídica, que vai receber o mesmo valor, mas sem nenhum direito previdenciário.

Embora essa discussão não seja recente, o fato da “pejotização” estar crescendo de forma gigantesca e com as brechas que a lei de 2017 trouxe, permitindo diversas interpretações a respeito do que é ou não permitido, creio que precisamos começar a ver essa questão com a seriedade e presteza que merece, pois a tendência de que muitos economistas falam de um possível “desaparecimento” da CLT – como se isso fosse algo positivo -, pode trazer efeitos devastadores principalmente para os mais pobres e também para o que a nossa sociedade entende como trabalho formal e respeito aos direitos dos trabalhadores. Precisamos pensar em que tipo de sociedade queremos viver num futuro cada mais próximo, onde a tecnologia já será responsável pela extinção de milhares de empregos, com o desemprego cada vez mais crescente e as relações de trabalho cada vez mais precarizadas.

Fontes:

https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2020/12/29/pnad-continua-ibge-desemprego.htm

https://roseadvocaciaparastartup.jusbrasil.com.br/artigos/552638289/a-legalizacao-da-pejotizacao-com-a-reforma-trabalhista

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp128.htm

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/11/12/setor-de-servicos-cresce-18percent-em-setembro-aponta-ibge.ghtml

https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pb/artigos/quantidade-de-meis-aumenta-saiba-mais-sobre-as-vantagens,1c18e52dfab2a610VgnVCM1000004c00210aRCRD

Carolina Attili é cientista social formada pela Universidade Federal de São Paulo, pós-graduanda – MBA em Gestão de Projetos pela USP, e certificada internacionalmente em Gestão de Projetos Sociais – PMDPro pela APMG International. Tem experiência com políticas públicas na área de empreendedorismo e Economia Criativa. Atualmente, vem se aventurando na área de programação e análise de dados.