Neuroética: os desafios éticos do Neuromarketing. Por Andrea Yaghdjian.

O objetivo do Neuromarketing é colocar informações obtidas a partir de técnicas de mapeamento de imagens cerebrais a serviço de ações de marketing. (BERCEA, 2013; PIROUZ, 2010 apud SANTOS et al., 2014, p. 54). Além disso, o campo busca realizar uma investigação dos consumidores. A procura pela adoção das ferramentas do Neuromarketing passou por um aumento exponencial nos anos que se seguiram à virada do milênio. Muitos novos artigos que versavam sobre o cérebro e processos de tomadas de decisões foram publicados. (BELDEN, 2008 apud SANTOS et al., 2014, p. 54).

Não é exclusividade do campo do Neuromarketing a busca ininterrupta por entender a fundo as razões objetivas e também as subjacentes que explicam determinados comportamentos humanos no que diz respeito aos seus hábitos de consumo. Essa busca acontece em diversos setores da pesquisa científica, nas áreas da Psicologia ou Ciências Sociais aplicadas, por exemplo. Muitos questionamentos podem ser feitos a partir dessas pesquisas, que se tornam cada vez mais sofisticadas com o passar do tempo. ALPERT (2008 apud SANTOS et al., 2014, p. 57) nos fornece alguns exemplos de discussões neuroéticas extremamente pertinentes para o momento atual de avanços tecnológicos disruptivos. Algumas questões são relacionadas à tecnologia e outras à Filosofia:

– Há usos potenciais colaterais benéficos ou maléficos da ciência/tecnologia que precisam ser identificados e tratados?

– Como um dispositivo neural implantado no cérebro de um paciente afeta seu funcionamento e como elaborar um documento que identifique para o/a paciente os riscos envolvidos?

– Qual é o objetivo da pesquisa ou aplicação científica/tecnológica?

– Qual é a nossa compreensão do que é ser humano?

O presente artigo tem por objetivo sublinhar a importância de se fazerem questionamentos pertinentes acerca dos usos do Neuromarketing, que podem tanto ser benéficos quanto maléficos para os consumidores. A tecnologia parece estar se desenvolvendo com mais rapidez do que os aspectos filosóficos/éticos envolvidos no acesso das grandes corporações aos seus consumidores em potencial.

A partir do avanço da neurociência e de sua aplicabilidade, certamente novos questionamentos éticos irão emergir, uma vez que, será progressivamente mais acessível a interpretação acurada da mente individual. Será possível prever comportamentos, ações e sentimentos, bem como influenciá-los e até mesmo controlá-los. (FARAH, 2010 apud SANTOS et al., 2014, p. 50).

Sobre essas questões postas, a Neuroética surge como um fator regulador, responsável por questionar essas predições, influências e controles utilizados pelo Neuromarketing e compreende a averiguação das questões éticas relacionadas ao estudo neurocientífico, que se dá através de ferramentas Neurotecnológicas. (ALPERT, 2008 apud SANTOS et al., 2014, p. 50).

Visando que atuações com fins comerciais se mantenham dentro das fronteiras éticas do conhecimento, a ESOMAR (organização associativa para pesquisadores de mercado, sociais e de opinião) estabeleceu, em 2011, que os fornecedores de pesquisas que utilizem as ferramentas tecnológicas do Neuromarketing devem ser responsáveis por descrever suas próprias medidas previstas de segurança, privacidade, consentimento e quaisquer outras medidas que se façam necessárias. Além disso, devem ser capazes de explicar de que forma elas são aplicadas no processo de pesquisa desses fornecedores.

Considerando que as pesquisas de Neuromarketing são bem mais custosas que as demais pesquisas de mercado, a expansão do campo só será possível no momento em que seus processos passem a ser mais baratos e rápidos.

A vantagem primordial do Neuromarketing é que o método descortina informações que não poderiam ser obtidas de outra forma, através de outros métodos de pesquisa mais tradicionais. (DAPKEVICIUS & MELNIKAS, 2009; LEE et al., 2007; SOARES NETO & ALEXANDRE, 2007 apud SANTOS et al., 2014, p. 55).

Que informações valiosas são essas que o Neuromarketing promete fornecer? Visando a quais objetivos elas são coletadas e fornecidas? O trecho a seguir responde didaticamente a essas indagações:

‘As primeiras aplicações do neuromarketing na pesquisa de marketing concentraram-se no comportamento do consumidor e na pesquisa de marcas. No entanto, existem algumas novas fronteiras sendo desbravadas na pesquisa de neuromarketing. Uma delas é a confiança, sendo as pesquisas voltadas para a compreensão dos processos neurológicos da construção da confiança, o que poderia ajudar a estas empresas na melhoria do relacionamento com seu mercado, além dos funcionários. A relação entre a disposição a pagar por um produto e satisfação ao consumir também está sendo investigada. Outra aplicação relevante está ligada à precificação. A busca da análise do mecanismo de avaliação de preços e a investigação se a processo de avaliação de preços é puramente racional, ou se tem componentes emotivos envolvidos, é um tópico muito interessante que a neurociência possibilita investigar. A medição de preferências do consumidor, também é uma área em desenvolvimento. Por fim, a negociação. A aplicação do neuromarketing no tocante à pesquisa sobre negociação seria nos processos que levam ao comportamento final dos participantes e, em que medida há influência da racionalidade e emoção durante o ato da negociação’ (ARIELY & BERNS, 2010; LEE et al., 2007 apud SANTOS et al., p. 55).

Muitas outras questões que envolvem a ética podem ser colocadas. É preciso que se tenha responsabilidade no momento de utilizar as informações obtidas sobre indivíduos, para que não se dê margem à exploração de determinadas pessoas ou subgrupos que possuem características neurológicas particulares. Indivíduos que estão sendo pesquisados devem ter poder de escolha sobre quais informações pessoais envolvendo seus próprios pensamentos e predileções serão reveladas/divulgadas. Ademais, um grande debate se forma em torno da questão da utilização do subconsciente. Seria ético usar informações que influenciarão os clientes nesse nível/instância psíquica? Essas técnicas não podem ser usadas com fins de manipular subliminarmente indivíduos? É importante frisar que é em torno do benefício do consumidor que o Neuromarketing deve se desenvolver. A subversão desse princípio vai de encontro aos valores éticos que devem reger as relações entre as empresas e os consumidores. (BENITO & GUERRA, 2011 apud SANTOS et al., 2014, p. 58).

Em suma, se torna evidente que o campo do Neuromarketing abre espaço para uma série de debates que envolvem a ética. No momento, temos mais perguntas do que respostas. Haverá, em um futuro próximo, a possibilidade de ‘ler’ as mentes dos consumidores visando ações de marketing mais certeiras, baseadas nas informações obtidas nessas ‘leituras’? Haverá privacidade mental no futuro? E a discriminação entre as pessoas? Aumentará ou diminuirá com a manipulação dessas informações coletadas? (ARIELY & BERNS, 2010 apud SANTOS et al., 2014, p. 60).

Todas essas e muitas outras são questões de extrema importância para a sociedade. Cabe à mesma relembrar que o Marketing tem muitas consequências sociais e, dessa forma, não pode ser realizado fora de fronteiras éticas. Afinal, a cliente e beneficiária final de toda e qualquer atividade de Marketing deve ser sempre a sociedade.

Referência: SANTOS, Marcos et al., Refletindo sobre a ética na prática do Neuromarketing: a Neuroética. Revista Brasileira de Marketing. Vol. 13, N. 3, p. 49-62, Abril/Junho 2014.

Andrea Yaghdjian é formada em Psicologia e Marketing, com predileção pelo estudo dos campos da Neurociência do Consumo / Neuromarketing. Atualmente, dedica-se a um curso online nessas áreas pela Copenhagen Business School.