MARKETING PÚBLICO - Os três “C” para o desenvolvimento latinoamericano: Criatividade, Cooperação e Comunicação. Por Andréa Back.

O futuro é mais incerto do que nunca, mas ao menos uma certeza é possível: o avanço dependerá dos recursos locais. Alguns, inclusive, intangíveis. Afinal, um país pode perder infraestrutura e capacidade para investir, mas a criatividade de seu povo sempre existirá, assim como sua cultura e história. Este é o maior “recurso natural” com o qual se pode contar. A criatividade é um combustível renovável, cujo estoque aumenta com o uso. E as indústrias criativas, ao trazerem consigo este atributo, vêm impulsionando um espaço de mercado ajustado aos novos tempos: o da economia criativa.

É um universo composto por produtos, serviços e processos onde a geração de valor depende principalmente de seu conteúdo intangível, como as manifestações culturais. Também envolve atividades onde a criatividade é parte central da produção, tal qual o design. E contempla ainda segmentos de apoio que fazem parte de cadeias de outras indústrias. Por exemplo, marketing.

Lendo este artigo, você pode questionar quem “está dentro” e quem “está fora” do setor, pois realmente não existe um consenso mundial sobre o conceito de economia criativa. Caracterizar a atividade criativa não é uma tarefa fácil, mas nem por isso significa que ela não gere valor para produtores e consumidores. O certo é que não é apenas um apanhado de atividades embaladas com um nome bonito. Mesmo antes de John Howkins publicar o livro “The Creative Economy” em 2001 (considerado por muitos o marco teórico fundador do conceito), o economista brasileiro Celso Furtado, já nos anos 1970, destacava o aspecto cultural e criativo no desenvolvimento econômico.

Afinal, quem ainda acredita que o cinema, a moda ou os games têm pouco a ver com o mundo dos negócios, talvez não saiba que as indústrias criativas empregam quase 30 milhões de pessoas em todo o mundo, gerando receitas de mais de 2,25 bilhões de dólares por ano, conforme relatório de 2015 da UNESCO. Esse valor correspondia a 3% do Produto Interno Bruto global à época.

E a América Latina com isso?

Como comentei, o intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência. Elas estão presentes nos mínimos elementos da nossa vida cotidiana; no artesanato, nas manifestações ancestrais, na arquitetura, moda, produção musical ou audiovisual, entre outros. Da arte à tecnologia, os saberes, fazeres e costumes da nossa região contêm esta substância, capaz de acionar o papel transformador da economia criativa na geração de riqueza e emprego sustentáveis, equitativos e inclusivos.

Os países latinoamericanos têm características singulares, porém semelhantes sob a ótica de construção de sua identidade sociocultural. Por isso, estes ecossistemas diversos, quando se constituem em movimento coletivo, são veículos de ideias, essenciais em momentos onde há tanta ambiguidade e incerteza.

E não estou tratando apenas de grandes instituições ou pessoas com diploma universitário. O potencial também está na periferia, nos bairros, nos lugares onde a renda é baixa. Este é o “pulo do gato” da economia criativa latinoamericana. Pode inspirar maneiras inovadoras de conduzir nossas comunidades à participação social, colaborativa e econômica, resultando em novas matrizes de produção, distribuição e consumo, A economia da região ganha em termos de valor agregado, exportações, empregos, investimentos e produtividade. Não consigo pensar em um modelo melhor de crescimento econômico para a América Latina.

Cooperação

Novos modelos econômicos demandam novos modelos de integração. Como os impactos da economia criativa incluem esferas culturais, sociais e econômicas, é fundamental abordar o desenvolvimento do setor de uma perspectiva transversal. Pois, assim como a economia tradicional se caracteriza por organizações hierárquicas, a economia criativa se estrutura em forma de rede.

Faço aqui uma observação: ainda que eu esteja me referindo às nações latinoamericanas, é bom ter em mente que o lugar onde mais floresce a criatividade é nas cidades. Por isso acredito no trinômio voz e poder aos locais + ecossistema de colaboração entre poder público / sociedade civil / academia / iniciativa privada + trabalho conjunto entre tecnologia / negócios / arte / design / mídia como estratégia de desenvolvimento urbano.

Colômbia e Chile são dois países que têm investido no setor e obtido excelentes resultados. E trago ainda o exemplo do Uruguai, por ser uma referência latinoamericana com mais de 30 anos de tradição em práticas de valorização da identidade local, cooperação intersetorial e internacional.

Este retrato do país se confirma na conversa com Fabiana Goyeneche, Diretora de Relações Internacionais e Cooperação do Município de Montevidéu. Ela destacou que “as atividades criativas são um dos eixos de internacionalização do país”, citando como exemplo o candombe, a gastronomia e a indústria audiovisual (esta inclusive com crescimento mesmo durante a pandemia). Fabiana avalia que governos locais são uma fortaleza, e devem ganhar autonomia em programas multilaterais. “Montevidéu integra numerosas redes internacionais de cidades e governos locais, espaços que lhe permitiram participar em projetos de cooperação regional. Procuramos trabalhar uma política pública de apoio ao desenvolvimento cultural e de inovação, com estímulo à associatividade. Não é só necessário, é uma estratégia atuar a partir de uma perspectiva latinoamericana, estimulando o intercâmbio cultural e integrando economias”, conclui.

Um exemplo prático deste conceito é o MICSUR – Mercado de Indústrias Culturais do Sul – maior evento multissetorial da economia criativa da América do Sul. Realizado a cada dois anos, conecta empresas sul-americanas criativas com compradores regionais e globais. Já foi sediado na Argentina, Bolívia e Brasil, e a edição mais recente ocorreu em Montevidéu, em 2020. Ou seja, há causa e não acaso. Países e organizações que reconhecem a importância da economia criativa como um motor de desenvolvimento econômico estão construindo marcos comuns para definir e medir seus benefícios.

O avanço da tecnologia permite novos espaços para colaboração e intercâmbio, provocando conversas regionais e expandindo estes conteúdos. Como esclareceu Fabiana Goyeneche, graças à tecnologia, a cooperação internacional não parou durante a pandemia. Ao contrário, foi amplificada.

Falando em amplificar…

Quando a criatividade já é entendida como uma força transformadora dos modelos de consumo existentes e a América latina já reconhece em sua identidade cultural e territorial uma oportunidade potencial de desenvolvimento, é hora de estabelecer um desenho institucional que permita visibilidade.

O avanço dos sistemas de comunicação, acelerados em função da pandemia, são chave para o acesso ao consumo e criação de novos mercados. Eles acontecem, por exemplo, por meio de canais digitais para marketing, promoção e geração de receita. Destaco ainda o trabalho por meio de plataformas colaborativas para capacitação, vendas ou compartilhamento de custos. O digital não substitui a experiência do lugar, adiciona.

Neste sentido, os valores intrínsecos à economia criativa unem-se ao conceito de comunicação que o novo consumidor espera. O público exige conteúdos e produtos legítimos, originais, que reflitam seus valores e suas preferências. Este estágio de relacionamento das pessoas com o ambiente, quando combinado com as tecnologias que dão ao consumidor maior protagonismo, são a terceira etapa do ciclo virtuoso de crescimento que a América Latina pode alcançar.

Crie, Coopere e Comunique.

Imagem: Sharon Mccutcheon / Unsplash.

Andréa Back é jornalista e publicitária com especialização em Marketing e em Cooperação Iberoamericana pela Universitat de Barcelona. Trabalha na Prefeitura de Porto Alegre, onde já ocupou cargos de planner de Comunicação, gerente de projetos e gerente de marketing. Atualmente atua na Coordenação de Projetos na Diretoria de Economia Criativa. Foi colunista da Revista Bá por três anos.