Guarda compartilhada VERSUS melhor interesse do menor. Por Angela Piotto.

O ordenamento jurídico brasileiro instituiu a guarda compartilhada ou conjunta como uma forma de melhor atender os direitos das crianças e adolescentes, incentivando os genitores a dividirem as responsabilidades quanto à manutenção alimentar, psicológica, física e emocional da prole. O Estado está intrinsicamente corresponsável na manutenção protetiva do âmbito familiar, conforme o artigo 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Lei Maior em nenhum momento cita, “atender o melhor interesse dos genitores”, mas sim dos menores. Ou seja, incumbe aos pais o dever de cuidar, conforme o texto legal, no artigo 229:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Entretanto, por imposição, é unânime a instituição da guarda compartilhada, com o objetivo de resguardo do bem estar dos menores. Porém, nosso instituto legal está longe de atingir o objetivo, posto que inúmeras crianças sofrem abusos psicológicos e emocionais, e arrastam-se no judiciário processos para provar o dano causado e reverter o detentor da guarda.

Ao romper o matrimônio, não há no nosso sistema prático legal, um acompanhamento incisivo para verificação de qual dos genitores melhor comportariam a guarda dos menores. Sendo que em grande número de casos, uma das partes está extremamente abalada e vulnerável com o rompimento conjugal, e do outro lado, a outra parte, que utiliza-se da vantagem emocional para melhor impor seus interesses econômicos e sociais manipulando a seu favor os ditames processuais da dissolução da sociedade conjugal, e impondo ser o responsável em manter a residência fixa da prole.

Os menores nesse período de dissolução da sociedade conjugal, tornam-se invisíveis. São raros os casos de um acompanhamento com assistência social ou psicóloga para verificação de qual dos genitores detêm as melhores condições, psicológicas e emocionais para manter o dever de cuidar.

Desta forma, inúmeros e crescentes casos de tortura, emocional e psicológica, fermenta em todas as classes sociais. Posto que, assustadoramente, amontoam-se casos e mais casos de crianças como Isabela Nardoni, Bernardo Boldrini, Henry Borel entre tantos outros, que, só “são ouvidos” quando não conseguem mais emitir som algum.

A Lei No. 13.010/2014 (Lei do menino Bernardo ou Lei da Palmada), assegura a crianças e adolescentes o direito de serem criados e educados sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante. Mas, quanto tempo leva para serem ouvidos, ou para se provar que um menor está sofrendo abusos reiterados cruéis e degradantes? Quantas vezes o menino Bernardo procurou por ajuda e não a teve de forma eficiente?

Nosso sistema é falho. Tirando a visão romantizada da maternidade, temos na sociedade inúmeros casos de abusos cometido pelas genitoras ou com coparticipação, bem como dos genitores também. E, enquanto o processo corre com seus trâmites, os menores sofrem e nem sempre é possível sanar todo o dano psicológico ocasionado, isso quando já não é tarde demais.

Por isso a lei deixa claro que ambos os genitores são detentores de mesmos direitos e deveres, tendo o mesmo nível de igualdade e responsabilidade sobre os filhos. Conforme a Constituição Federal de 1988 proclamou, o direito à igualdade ao trazer em seu Art. 5º, inciso I: “todos são iguais perante a lei”. De modo enfático, foi até repetitivo ao afirmar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (Art. 5º, inciso I), destacando mais uma vez a igualdade de direitos e deveres de ambos no referente à sociedade conjugal (Art. 226, § 5º, da CRFB).

A dignidade da pessoa humana, princípio ímpar da nossa Constituição, refere-se também a dignidade dos menores, em conferir-lhes quem melhor lhes assegure. Acerca do assunto, Rolf Madaleno (2010, p. 352), ensina:

“Prevalece o princípio dos melhores interesses da criança (the child’s best interests and its own preference), ao considerar como critério importante para definição da guarda apurar a felicidade dos filhos e não os de se voltar para os interesses particulares dos pais, ou para compensar algum desarranjo conjugal dos genitores e lhes outorgar a guarda como um troféu entregue ao ascendente menos culpado pela separação, em notória censura àquele consorte que, aos olhos da decisão judicial, pareceu ser “o mais culpado”, ou quiçá o último culpado pela derrocada nupcial”.

Infelizmente, o referido diploma legal introduzido no ordenamento jurídico em 22 de dezembro de 2014 modificou a redação do Art. 1.584, § 2º do Código Civil, passando a dispor que a guarda compartilhada é a regra a ser aplicada, mesmo em caso de dissenso entre o casal, somente não se aplicando na hipótese de inaptidão por um dos genitores ao exercício do poder familiar ou quando algum dos pais expressamente declarar o desinteresse em exercer a guarda.

Mas a questão principal é: qual o custo dessa imposição? O Estado deveria dispor de um acompanhamento psicológico antes do estabelecimento da guarda, posto que também é responsável conforme dito acima. Quantas crianças continuarão a ser expostas de todas as maneiras possíveis para que se mantenha a tão idealizada guarda compartilhada?

Os processos no Brasil são complexos e longos, nosso sistema superlotado torna-se lento e por vezes, tardio em eficiência. Quantas crianças mais terão que ser submetidas a tratamentos desumanos e silenciosos para serem vistas e ouvidas?

A guarda compartilhada é uma opção teórica de família responsável, mas na prática, estamos muito aquém disso. Seria necessário um pré-acompanhamento como prevenção, buscando resguardar o direito do menor para então se decidir sobre a solução mais eficaz e assim protegê-lo e garantir seus direitos legais normatizados.

Angela Piotto é graduada em Direito, pós-graduanda em Direito do Trabalho, Direito de Família e Psicologia Jurídica. Atua como Terapeuta Integrativa.