EFEITO RP - Marcas de transição. Por Bárbara Calixto.

Acordei com um amanhecer terno, céu com riscos alaranjados, rasgando a escuridão em poucas pinceladas. Degustei aquela paisagem por bastante tempo. Apreciei o horizonte, as cores transmutando lentamente. Poucos prédios no meio do caminho, entre os meus olhos e os primeiros riscos de claridade do dia. Agradeci, como faço sempre que me sinto presenteada pelo esplendor da natureza. Agradeci mais uma vez, por sentir tudo o que estava sentindo naquele momento. Me lembrei da capa de “Tudo é rio”, da Carla Madeira, que passa a impressão de ser um rio mas também um céu a pinceladas de tinta a óleo. Me lembrei da minha avó, que gostava muito de pintar com esse tipo de tinta e, eu, que prefiro a aquarela.

A intenção, para hoje, para essa coluna, esse texto, era escrever sobre elasticidade de marca. Falar de uma imagem que vi recentemente no Instagram, descrever um pouco mais sobre como uma marca consegue se transformar e se aplicar em tantas coisas e enredos quando bem fundamentada e construída, como por exemplo, de uma bolsa até uma marca de café. Trazer teóricos e estudiosos, discorrer sobre um ou outro case e apontar um e outro exemplo. Mas, como já escrevi em alguns dos meus textos, nem sempre o que planejamos realmente se realiza e, por isso, peço a licença poética p’ra deixar correr o rio de sentimentos que me acometeu essa manhã, antes de começar a escrever sobre marca.

Pouco depois de apreciar o amanhecer, tomar café e checar os meus e-mails, fui anotar no meu novo caderno o início das aulas do mestrado, que começo agora em março no programa de Mídia e Tecnologia, na UNESP. Peguei o caderno, escolhi uma caneta – gosto sempre desse cuidado com as canetas, algumas não conseguem segurar as palavras da forma como eu gostaria -, e fui anotar o início das aulas, a minha primeira aula: 05/03/2024. Essa data, um prenúncio de algo que vivi no passado, o marco de uma transição da minha vida, a queda de uma das bases da minha estrutura, a passagem da vida-morte de uma grande amiga.

Embarguei a voz que eu já não tinha, e em fração de segundos me lembrei que o amanhecer foi tão esplendoroso, mas tudo é rio e as emoções também, escorrendo por todos os lados e se transformam rapidamente em outras coisas. Desceu o sal pelo meu rosto, o doce do café pingado ficou amargo e intragável, mudei de caderno e de caneta, anotei meia dúzia de palavras soltas e segui me perguntando: que sinal é esse, que no fim do dia também é o dia de um começo?

Anotei e notei, me lembrei, que desde quando cogitei me inscrever em um programa de mestrado, seria também, para honrar e realizar um sonho não realizado. Não o meu sonho, mas o da minha amiga, que por desejos do universo, teve que partir antes de realizá-lo. Agora eu, aqui, com esse tempo de troca de folhas entre as estações do ano, que escorre entre os meus dedos, e esse rio que desce em um fluxo contínuo entre vida-morte-vida-fim-início-continuação-caminho-da-existência, decidi assumir para mim um rito, uma homenagem, uma forma de transformar a dor em poesia – ou, minimamente, em abraçá-la e colocá-la em outro lugar.

Penso no projeto que submeti, no que eu vou estudar, no que eu quero trabalhar, em como eu quero dedicar essas horas sobressalentes que cultivo todos os dias. Penso na minha existência, em como torná-la melhor, mais produtiva para o universo, saindo do reduto do consumismo de vender-comprar-vender-comprar. Penso em branding, em ESG, em Relações Públicas, em relacionamentos, em comunicação e em como posso colocar tudo isso a favor de algo maior e mais significante. Penso, cada vez mais, em como transformar tudo o que absorvo em algo útil para as pessoas ao meu redor, para a sociedade, para esse entorno. Penso nesse tempo, que é meu, que é seu, que é nosso, que marca a nossa pele mais do que marcas corporativas marcam, e penso, de novo, no que fazer com ele.

Penso na marca que deixo aqui, nesse texto, compilando os dizeres de outros dias e momentos, com outras publicações que já fiz aqui, de fragmentos de planejamentos, construções, constância e contextos, mapeamento da jornada de buyer persona, gestão e até de salada de frutas. Penso nos processos de construção e elasticidade de marca, nas transições e nas estações, e também penso nos processos de compreensão dos acontecimentos da vida, da paciência que precisamos ter, seja para o tempo de cura ou para o tempo de fortalecimento de uma marca.

Bárbara Calixto é graduada em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e possui MBA em Marketing pela USP/Esalq. Já trabalhou em agências de comunicação, no segmento varejista, indústrias e como coordenadora de marketing em uma GovTech. Além disso, é uma pessoa que ama cozinhar, apreciar a natureza e está sempre disponível para uma boa conversa.