EFEITO RP - Salada de frutas. Por Bárbara Calixto.

Sempre admirei os escritores, especialmente os poetas, que conseguem traduzir as situações e emoções em palavras. Muitos deles as encaixam de maneiras inimagináveis. Citam outros autores, vivências, adicionam notas de cores e ficção, desenham com a ponta dos dedos na cabeça do leitor. Somam palavras como se fosse a multiplicação dos números na tabuada, unem flores com prédios como se fossem paisagistas, brincam com a areia da praia como se possuíssem a imaginação fértil de uma criança. Plantam, regam, adubam, esperam o processo até a colheita, para então fazer uma salada de frutas. Pulam de palavras para frases, como se fosse um jogo de tabuleiro.

Quando os leio, penso: será que eles realmente viveram tudo isso? Ou será que uma parte é inventada? Como eles conseguem encaixar tão bem as ideias?

Essas perguntas me perseguem em todos os livros que eu leio, em alguns mais e noutros menos. Mas sempre me rondam. Notei, também, que essa visão me acompanha em outros campos da vida. Cresci com pessoas me dizendo que, ao entrar em um trabalho, eu deveria saber separar o profissional do pessoal. A banana da manga e o kiwi da pera. Que eu deveria performar de determinado jeito, não demonstrar minhas emoções, ser forte e, sempre, ao cumprimentar uma pessoa, apertar a mão dela com firmeza e segurança. Que eu precisava acompanhar as tendências do mercado, trazer ideias para a mesa, entregar e trabalhar além do que eu fui contratada. Só esse tipo de pessoa é que tem um reconhecimento digno, que é uma pessoa de sucesso – ou rica, financeiramente falando.

Mas, em algum lugar dentro de mim, antes de eu conhecer a Brené Brown e ouvi-la falar sobre vulnerabilidade e a tal coragem de ser imperfeito, eu já sentia que não conseguia performar tudo o que haviam me orientado. Eu sempre fui uma pessoa de esportes, que gosta de se expressar livremente, que gosta de misturar maçã com uva, que fala e faz – vez ou outra – brincadeiras com os colegas, que tem um lado extrovertido. Me pediram, uma vez, para eu repensar se o meu jeito, extrovertido e comunicativo, poderia atrapalhar o engajamento do meu time, quando na verdade, o clima e engajamento geral da empresa estava baixo. Situações que, muitas vezes, nos fazem questionar “quem somos nós?”, as definições de sucesso, desempenho e tantas outras determinações que podem ser limitantes para a personalidade do indivíduo, no caso, a minha.

Demorei muito para entender e aceitar o meu lado extrovertido. Muitas vezes o suprimi para poder caber, pertencer e performar em vários ambientes. Custou caro e levou tempo para eu absorver essa parte da minha personalidade, entender que isso sou eu e que vai comigo aonde quer que o caminho siga. Também custei a aceitar a minha trajetória profissional, porque assim como traços da minha personalidade, me questionaram por que eu não era especialista em algo… ou, por qual motivo eu havia seguido por um caminho diferente dos que estava em alta – a tal da tendência do mercado.

Há pouco tempo que eu passei a trazer um pouco da visão dos escritores para minha vida: olhar para o todo, não apenas para um recorte; o cheiro, o gosto, as cores das coisas ressoando nas palavras; as ideias, os pensamentos abrangentes e sistêmicos. Eu não sou apenas uma profissional, eu sou uma pessoa que tem uma trajetória profissional. Eu não sou definida por uma especialidade, mas sim pelo meu contexto, por tudo o que já fiz e já vivi. E só recentemente, em um processo de aplicação para uma vaga, eu consegui escrever sobre isso, que o meu perfil generalista, todas as diversas experiências e imersões que eu vivi, me permitiram – e permitem – ver as coisas com completude. Me permitem dialogar com pessoas plurais, brincar com as palavras, com o meu jeito extrovertido, seja pela minha passagem na indústria ou numa startup. Mas ser quem eu sou, experimentar frutas diferentes, saborear, conversar, cuidar dos relacionamentos, explorar o universo de oportunidades que aparecem em cada lugar e em cada pessoa.

As perguntas que eu constantemente faço, quando leio, também aplico em mim. Sigo, insistentemente, tentando me manter fiel a mim, a minha unicidade, sendo vulnerável, extrovertida e com um perfil profissional generalista. Sigo insistente, apresentando a minha versão integral em entrevistas de trabalho e também em conversas triviais. Sigo insistente, me lembrando dos autores que descrevem a impermanência, que a única constância é a mudança, e que eu seja capaz de me acompanhar nesse desabrochar interno e nessa transformação externa da nossa sociedade.

Sigo, insistente, inquieta, curiosa e atenta, me lembrando dos autores, das estações, das campanhas de comunicação, das possibilidades de networking e de todas as outras frutas e cores que compõem a salada de frutas que é a nossa vida.

Bárbara Calixto é graduada em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e possui MBA em Marketing pela USP/Esalq. Já trabalhou em agências de comunicação, no segmento varejista, indústrias e como coordenadora de marketing em uma GovTech. Além disso, é uma pessoa que ama cozinhar, apreciar a natureza e está sempre disponível para uma boa conversa.