COMUNICANDO O QUE IMPORTA - Sobre marcas, posicionamento e reputação. Por Mariah Guedes.

Nas últimas semanas, um assunto que muito interessa a essa colunista dominou a indústria musical: a reputação de uma marca a partir do seu posicionamento. Para registro no texto, vou resumir: observamos o imbroglio entre o cantor e compositor Neil Young e a plataforma Spotify. O astro canadense iniciou o processo de retirada de suas canções do aplicativo (sendo seguido por outros artistas), após um embate público com a empresa sueca devido à manutenção do podcast The Joe Rogan Experience no catálogo desta. Disponível desde 2020, o programa (exclusivo deste serviço de streaming por meio de um contrato de licenciamento avaliado pela mídia especializada em U$ 100 milhões) possui uma audiência de mais de 11 milhões de ouvintes por episódio. No ar, o apresentador Joe Rogan, que é conhecido por opiniões polêmicas, recebe diversos convidados – alguns deles com posições contrárias à vacinação massiva da população.

O debate é muito extenso, e envolve várias questões da comunicação. Tem sua circulação no ambiente digital, a moderação de conteúdos e a regulação de plataformas que produzem e disseminam informação. Também abrange o poder das Big Techs e demais corporações de tecnologia que concentram dados e disputam a atenção de usuários, sendo meio (e mensagem) no cenário virtualizado. Além disso, este caso traz de subtexto a liberdade de expressão e seus limites perante o esforço coletivo de frear os impactos da “desinfodemia” – neologismo para tratar da desinformação em um contexto pandêmico.

Ainda assim, esta controvérsia aborda o que nos interessa da perspectiva clássica da comunicação. Podemos pensar em quem está falando o quê, para quem e em qual canal (de maneira simplificada, temos Rogan, para seus seguidores, via Spotify). Complexificando a discussão, podemos perguntar a quem interessa que discursos antivacinação sejam veiculados e impulsionados nas redes. Ou por qual motivo uma corporação manteria apoio financeiro (e simbólico) a alguém que faz declarações tão contestáveis do ponto de vista científico.

O Spotify é um gigante (e não apenas em seu segmento). De acordo com a edição mais recente do relatório Best Global Brands (“Melhores Marcas Globais”, em tradução literal), ocupava o 66o. lugar na lista de maiores valores marcários do mundo (2021). Considerando possíveis boicotes e outros desdobramentos para a empresa, é razoável pensar em perdas de posições em rankings do tipo, além de repercussões com relação a sua imagem e, principalmente, a sua reputação.

A forma com que uma organização é vista pelo mercado reflete a percepção que se tem dela, de seus negócios e de sua capacidade de gerar valor. É uma construção ao longo do tempo, vinculada a uma série de variáveis. Com uma boa reputação, corporações sobrevivem a grandes turbulências – se aproveitando da influência que já tiveram. Neste acontecimento atual, a Spotify começou um processo protocolar de gerenciamento de crise, pautado pela redução de danos pelos dois lados: a indicação de inclusão de avisos específicos em conteúdos que tratem de temas de saúde pública (para conter críticas de que estaria contribuindo com fake news) e a defesa da manifestação artística dos produtores (para afastar comentários sobre censura). Independentemente dos efeitos imediatos, a empresa entende que o risco maior é o de não se posicionar. A longo prazo, porém, ela sabe que precisa associar sua marca a outras que tenham atributos que agreguem benefícios para si. E a conteudistas cujas produções estejam alinhadas às suas políticas e normas. Afinal, quanto mais coesa e coerente uma corporação é, mais forte fica sua reputação. E nós vamos continuar acompanhando a ressonância dessa trama.

Mariah Guedes é mestra em Comunicação & Cultura, leitora ávida, canhota, macaense e queer. Acompanhe sua trajetória acadêmico-profissional em https://br.linkedin.com/in/mariahguedes.