As cartas e suas histórias. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Em tempos da provável privatização dos Correios, uma lembrança que me vem à tona é… como eu gostava de receber uma carta na caixa de correio. Sim, “bateu” aquela saudade…

Era uma ansiedade danada esperar a resposta de um tio, primo, amigo distante. Aquela sensação de rasgar o envelope e saber “as notícias”, histórias da pessoa e as fotos… eu jamais me esquecerei. “Fulano casou, beltrana teve o bebê, infelizmente sicrano não resistiu à doença X e morreu”. As lágrimas chegavam a percorrer nossos olhos quando era uma notícia triste. Ou eles brilhavam de felicidade quando a notícia era a melhor de todas.

Os programas de TV que também disponibilizavam endereços das crianças para que outros meninos e meninas pudessem entrar em contato entre eles e criar laços de amizade. Quantos amigos protagonizaram essas histórias. E os artistas que recebiam centenas de cartas nas emissoras de TV. Ah… os sorteios com diversas histórias emocionantes na tentativa de ter o desejo realizado no programa “Porta da Esperança” do Silvio Santos… As cartas de casais apaixonados; quantos casamentos se fizeram ou foram desmanchados por meio de cartas enviadas pelos Correios.

Em grandes distâncias, entre as distantes cidades do interior do Brasil – ou fora do país -, a carta, às vezes, chegava depois de um mês… As notícias já estavam velhas. Receber uma carta datilografada era sensacional, pois não era preciso “decifrar os garranchos” de algumas caligrafias.

Atire a primeira pedra quem não gostava de receber um cartão postal. Um parente ou amigo ia fazer uma viagem e era comum a frase: “quando chegar lá, envie um postal, hein?”. Eu recebi vários do Brasil e do exterior. As máquinas fotográficas, exceto as “Polaroid”, não faziam fotos instantâneas, logo só seriam revelados os momentos eternizados pelo “papel” da Kodak ou da Fuji após o retorno da viagem.

Eu também gostava de ver os selos diferentes. Tenho guardado alguns de lembrança ainda em envelopes com cartas antigas. Sim, eu não tenho coragem de jogá-las no lixo. São histórias de vida de parentes e de amigos que, mesmo sem contato atual, fazem parte da minha vida, da minha história. Os filatelistas tinham aqueles álbuns enormes, grossos, com milhares de selos. Acredito que muitas crianças desta geração Z nem fazem ideia do que seja um selo, o “dinheiro” na postagem da carta. Filatelista, então? Muitas crianças nem sabem quem é “esse “cara”.

Quando o assunto é carta, lá está o carteiro. Em casa, nós conhecíamos o carteiro do bairro, ele sabia o nosso nome. Como era bom, depois de escutar a campainha, chegar à porta e atender aquele moço, de roupa amarela e azul com uma bolsa verde musgo enorme pendurada no ombro e várias correspondências na mão, dizer: “chegou este pacote para você, assine aqui.” Ou seja, não era uma carta! Possivelmente, um presente. E logo vinha a ansiedade para saber o destinatário e “o que tinha dentro”.

E o telegrama? Quando a notícia era urgentíssima, chegava por telegrama, sem sinais ou acentos gráficos, era proveniente do telégrafo. Tenho guardados os que recebi em alguns aniversários. Hoje, existe o telegrama de balcão, mas duvido que seja utilizado para envio de votos de “Feliz Aniversário”.

Tudo isso me faz lembrar dois fatos acontecidos ainda na década de 1990, quando meu pai mantinha uma rede de contatos com vários escritores no Brasil por meio de cartas e publicações de seus poemas em diversos periódicos. Havia semanas em que chegavam 15 a 20 correspondências de vários cantos do país (entre cartas, jornais e revistas literários), as “contas” eram somente de água, luz e telefone. Como o carteiro nos conhecia pelo nome, certa vez, entregou uma carta em casa com apenas o nome dele e o CEP genérico “30.000”. Ainda não existiam as designações atuais.

Foram inúmeras amizades que se firmaram naqueles tempos. Meu pai se corresponde até hoje com uma amiga do Paraná que mora em Manaus. Eles não se conhecem pessoalmente. O caso é pitoresco, inimaginável. Moramos em Belo Horizonte (MG), a amiga em Manaus, sim, no Amazonas! E por que frisar o estado onde ela mora? Pela enorme distância, só isso.

Meu pai publicava poemas em jornais literários e, mensalmente, recebia a publicação pelos Correios. Um dia, chegou uma carta do Amazonas de uma também poetisa, mas que ele não conhecia. Ao abrir o envelope, a surpresa: o exemplar de um jornal mensal que ele jamais havia recebido. Junto a ele, um bilhete que dizia mais ou menos assim:

Caro amigo,

Envio o seu exemplar do jornal que inexplicavelmente chegou à minha casa aqui no Amazonas. Pelo visto, você é poeta também.

Um abraço.

O mais curioso desse episódio é que o nosso endereço estava correto. O jornal não era de Minas Gerais, mas como poderia ser desviado para tão longínquo endereço? Jamais tivemos essa resposta. Isso não importa! Talvez o “encontro estivesse escrito nas estrelas”. O que importa é a amizade cultivada, os laços fraternais de pessoas que passaram a fazer parte da nossa vida, por causa de “um deslize” dos Correios!

E a vida nesses 30 anos mudou tanto com as novas tecnologias na comunicação… A internet deu lugar aos e-mails e as cartas pelos Correios praticamente sumiram. Os carteiros deveriam trocar de nome para “conteiros” – faço aqui um trocadilho. Hoje, eles são desconhecidos. Praticamente só entregam contas ou cartas de cobrança. Até as faturas estão ficando escassas. As de água e luz são emitidas no momento da leitura. Com poucos toques, os boletos chegam pela internet e podem ser pagas no débito automático ou por aplicativo.

Os interurbanos que demoravam horas para serem realizados passaram a ser feitos e minutos e muito mais baratos. Os telefones celulares enviam SMS em questão de segundos; os aplicativos de mensagens praticamente tomaram conta da vida das pessoas. A mensagem de WhatsApp com texto, vídeo ou áudio também chega em segundos, salvo falhas nas conexões de rede. A instantaneidade da comunicação encurtou as distâncias. Sejamos gratos ainda mais nesse período rondado por grandes distanciamentos físicos devido à Covid-19.

Mesmo diante do avanço gigantesco da comunicação, eu ainda tenho saudade daquele tempo em que ia até a caixa de correio “lotada” e ficava alegre com “aquela” carta recebida. A nostalgia do famoso tempo das cartas, tempo esse que não volta mais.

Imagem: Pixabay. [https://pixabay.com/pt/illustrations/vintage-publicar-cart%c3%a3o-carta-4169862/].

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.