ANTEVASIN - Governança norteada por uma Comunicação Funcional (*).

Na semana passada, interagi em uma publicação no LinkedIn na qual o autor dizia que, em uma conversa com o CEO de uma grande empresa, identificou que grandes empresas não cobram que seus fornecedores sejam ESG (sigla das palavras Environmental, Social e Governance, em inglês), algo que refere às melhores práticas ambientais, sociais e de governança nos negócios etc. Depois, o conteúdo em questão ficou comigo por mais algumas horas e fiquei me perguntando: Precisa “cobrar”?

O autor da publicação dizia ainda que, na referida conversa, constatou que preço ainda é o diferencial. Compreensível, especialmente em tempos desafiadores. Mas fui tomada por uma tempestade de questões a partir da generalização trazida a público fundamentada em uma conversa.

– Quanto de viés pode constituir tais informações?

– Porque penso em algumas questões que poderiam distribuir padrões diferentes de decisão e perspectiva na relação de grandes empresas com fornecedores mais orientados a aspectos do contexto ESG?

– Empresas de diferentes mercados têm o mesmo padrão de escolha de fornecedores e demandas feitas a eles?

– Organizações de diferentes países ou “blocos comerciais” poderiam ter outros padrões ou referências em relação ao tema?

– Negócios em diferentes graus de maturidade têm o mesmo padrão de escolha de fornecedores e demandas feitas aos mesmos?

– E os clientes dos produtos e serviços desses negócios, de que modo influenciam as decisões sobre suas redes de fornecedores?

Abraham Maslow nos ajudaria a entender tais decisões?

Enfim, as decisões sobre o escopo da adoção de estratégias ESG tendem a estar relacionadas a um conjunto de escolhas gerenciais como não contratar fornecedores não alinhados com elas. A conformidade do fornecedor à política ou diretriz da empresa como aspecto relacionado ao processo de contratação deve fazer parte – mas isto não entendo como cobrança.

Atendendo a características definidas, caberá ao fornecedor participar do processo. Não atendendo, caberá declinar ou se adequar. A diretriz do contratante tem relação com sua governança, assim como a de seus fornecedores terá a ver com as diretrizes e governança de cada um. Ou não?

Qual será o tipo de washing ou “des” com que estamos nos deparando? Governance washing? Des-informação? Oh, não!

O colega, autor da publicação anterior, em outra oportunidade, questionava uma grande empresa por declarar compromisso com práticas ESG, mas ter vários problemas com as evidências sobre ESG. Sim, algo complicado e complexo. Ponderei que seria importante conhecermos o escopo do compromisso assumido e não nos pautarmos apenas em informações pulverizadas “sobre o compromissado”.

O que tem me parecido é que diferentes agentes do mercado podem estar ávidos por um norte nesse ambiente da comunicação sobre temáticas específicas dos negócios.

Comentamos temas sobre os quais, talvez, precisemos de um pouco mais de aprofundamento. Temas, por vezes, em pauta em plataformas de conteúdos corporativos e redes sociais, mas que se baseiam em informações dispersas e sem aprofundamento.

Vivemos tempos de sobrecarga informacional. Empresas buscando comunicar a essência de suas propostas ou práticas e, muitas vezes, não conseguindo. Clientes e públicos se satisfazendo com os títulos das notícias, com a síntese de uma centena de caracteres ou com uma imagem padrão veiculada em um anúncio ou publicação em alguma plataforma ou rede social. Parece-me que alguns destes aspectos têm se apresentado com alguma frequência na comunicação sobre negócios e temas relacionados a sua governança. Desinformação.

Governança não é algo superficial, instantâneo ou eventual. Governança é DNA, é essência. Governança é composta por processos que constituem o sistema social de uma organização. Governança é representada nas diretrizes, condutas, normas, linguagem e cultura de uma organização. Relaciona o que constitui aquele negócio, como ele se vê, se comporta e se apresenta no e para o mundo. Como se relaciona nas diferentes instâncias do qual faz parte.

Governança tem a ver com como o negócio se vê hoje e se projeta no futuro. Com o que entrega e entregará até lá. E mais: como chegará ao futuro, que caminho trilhará para isso e de que modo. Tem a ver com missão, visão e valores. Tem a ver com propósito, como é hype dizer hoje. Governança constitui e deixa a sua marca. E a comunicação é parte disso. Parte essencial.

Se a missão não será reconhecida nas práticas, por que tentar parecer? Com práticas que não levam ao futuro dito visualizado, para que forçar o encaixe? Se seus valores não se alinham, por que associar ou vincular? Governance washing? Parece algo que não se sustenta. Não engana. Ou fica claro ou não fica.

Acompanhei um webinário sobre ODS, parcerias e esforços conjuntos orientados às metas da Agenda 2030. Nele falou-se, entre outros assuntos, em greenwashing e na inconsistência de práticas e resultados que se afirmam sustentáveis e verdes, mas que não entregam aquilo que propõem.

Duas horas depois, recebi uma newsletter com dois artigos sobre ESG-washing que seguiam perspectiva similar: negócios que se adequaram rapidamente à linguagem ESG, mas que não evidenciam mudanças objetivas em relação a diretrizes, condutas, normas e cultura organizacional alinhadas, mas com as mudanças percebidas apenas na linguagem, na comunicação.

E recordei-me do artigo publicado aqui no mês passado (OCI/julho/2021: “Ética, Transparência e Governança: ESG e Gestão Integral dos Negócios“). Mais especificamente da parte que abordava o poder da convergência entre Administração e Comunicação pautado no cuidado com aspectos que sustentem a governança corporativa viabilizada por suas diretrizes e condutas, e refletida no grau de maturidade assumido em sua comunicação.

E, neste contexto, a “Comunicação Funcional” (Machado Neto, 2020), e seu composto de “8 Rs” (Reconhecimento, Relacionamento, Relevância, Reputação, Resiliência Institucional, Responsabilidade, Retribuição e Reinvenção), se apresenta como recurso estratégico para a manutenção da relação harmônica entre Administração e Comunicação. Isto porque o alinhamento da linguagem com os atributos que representam a governança (diretrizes, condutas, normas e cultura organizacional) reforçam e favorecem uma comunicação que espelha a essência da gestão e converge com ela.

Divergências e questionamentos sobre as práticas e resultados de alguns negócios

Há desconfiança em relação ao que empresas de diferentes perfis e áreas têm comunicado, especialmente em relação às suas práticas no incremento e qualificação de sua imagem no mercado. O padrão de mensagens preza por atrair atenção e repercutir sem refletir a essência das organizações. Há desatenção e o desinteresse por mensagens com conteúdo mais aprofundado.

Aspectos de um ambiente que tem desinformado e suscitado desconfianças

Emissão de informação que instiga suposições sobre os limites entre o vivido refletido no comunicado: seria este o interesse ou objetivo de uma comunicação eficiente? Creio que não. Então, que tal reencontrar dinâmicas de construção de laços positivos e com bases mais sustentadas?

Governança e informação clara são atributos importantes na administração e na comunicação de um negócio. Vale tomar recursos que favoreçam e sejam pontos de sustentação de uma imagem e marca fortes e transparentes. Para isso, a convergência entre administração e comunicação sustentados por recursos e estratégias orientados à construção e manutenção de uma relação objetiva com os diferentes clientes e parceiros dos negócios é um investimento necessário.

Comunicação Funcional é via para a manutenção da convergência e relação harmônica entre a gestão e a comunicação organizacional.

(*) Veja aqui.

Referência

MACHADO NETO, M. M. 8 Rs da Comunicação Funcional: instrumental para uma governança transparente. Rio de Janeiro, Conceito Editorial, 2020.

Daniele Dantas é profissional da área de gestão de dados e cultura com experiências em instituições públicas, privadas e do terceiro setor, atuando com artes visuais, teatro, museus e artes integradas nas áreas de planejamento, gestão e produção; prestação de contas e avaliação de projetos, impactos e resultados. É doutoranda na UFRJ / IBICT (Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia) com pesquisa em ativos intangíveis e valor em cultura, com mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE / ENCE) e pesquisa sobre construção e uso de indicadores na gestão cultural e especialização em estatística aplicada (DEMAT/UFRRJ). Sócia fundadora da Axía Inteligência em Negócios Culturais.

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