ANÁLISE CRÍTICA - Liberdade de expressão é direito humano. Por Silmara Helena Pereira de Paula.

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a todo indivíduo o direito à liberdade de expressão. O documento, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948, completou 75 anos neste ano. Ainda hoje, no entanto, esse direito, assim como outros, não é plenamente garantido à sociedade, em sua totalidade.

Vejamos o que diz o referido artigo na íntegra: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Do ponto de vista de receber informações, pesquisa publicada na 6a. edição do Atlas da Notícia em 2023 indica que, pelo menos, 26,7 milhões de brasileiros vivem em cidades nas quais inexistem quaisquer meios de comunicação. Ou seja, em mais de 2,7 mil cidades no Brasil, as pessoas não têm acesso a notícias sobre o que acontece em sua própria localidade. Ponto: não está garantido a essas pessoas o direito a receber informações.

Com o advento das redes sociais, parte da sociedade conquistou o direito a transmitir informações e ideias, sem mediação, por exemplo, da imprensa. E isso, sem dúvida, foi uma grande revolução que impactou diretamente o jornalismo. Ocorre que manipulados pelos algoritmos, os usuários das redes sociais convivem em suas bolhas, sem possibilidade de verificar o contraditório de opiniões expressas em outras páginas ou perfis. Surge daí um grupo com direito à fala, à expressão, mas com pouca condição – por motivos diversos – de aferir se o divulgado como informação é realmente um fato. Não é à toa que governos no mundo todo debatem a regulação das big techs como uma das principais estratégias de combate à desinformação.

No que diz respeito à liberdade de expressão a questão é tão complexa quanto. Nos últimos anos, vimos emergir no debate público a ideia, para mim equivocada, de que essa liberdade abarca tudo. Qualquer pessoa, em qualquer meio, pode defender o machismo, o racismo, a homofobia, sem que isso seja passível de penalidade ou contestação. É o direito pleno à liberdade de expressão. Será?
Todo exercício de um direito supõe responsabilidade e respeito ao direito do outro. É assim quando vivemos em uma sociedade democrática. Não é à toa que o direito à liberdade de expressão está contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse direito, portanto, parecer estar submetido a outros direitos, principalmente, o direito à vida.

Também por conta disso o direito à liberdade de expressão não pode ser cooptado por questões ideológicas. Como qualquer outro direito deve estar a serviço da justiça, da igualdade social, da convivência pacífica entre as pessoas, da crítica, da defesa do interesse público, do respeito à veracidade dos fatos. Nesse âmbito, é direito de todos, sem distinção.

Não podemos confundir a liberdade de expressão em conceito amplo e irrestrito com liberdade de imprensa. São coisas diferentes como bem defendeu o jornalista Venício A. Lima em seu livro “Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa”. Os meios de comunicação precisam ter garantida a sua liberdade de expressão, como qualquer outra empresa, entidade, associação, grupos ou indivíduos, para que possa, inclusive, exercer de forma plena a sua atividade de informar. Entretanto, não pode tomar para si esse direito com exclusividade.

O livre exercício da atividade jornalística deve servir para defender os profissionais que trabalham e sobrevivem desse ofício e o direito de fala daqueles que, sem capital social ou político, são excluídos do debate público. Não estão na pauta e nem em pauta.

No serviço público, a responsabilidade da comunicação torna-se ainda maior. A comunicação pública, como já tive oportunidade de apresentar em outras reflexões, deve orientar-se pela perspectiva do cidadão. E isso não é pouco, considerando o volume de recursos investidos por órgãos públicos em ações de comunicação. Recursos que são públicos e que deveriam se voltar, em sua plenitude, ao atendimento do interesse público, da publicidade, da transparência e da construção da cidadania.

E por que será que a sociedade do século XXI, essa da informação, da superexposição, da comunicação instantânea, não consegue democratizar a liberdade de expressão, transformando-a em direito de forma ampla? Talvez, ouso opinar, porque não venceu uma demanda ainda mais antiga e incômoda: a da desigualdade, que diferencia e classifica seres humanos em castas, classes sociais, restringindo o exercício da cidadania a alguns privilegiados. Nesse sentido, a septuagenária Declaração Universal dos Direitos Humanos nunca foi tão necessária e tão atual. E não apenas para assegurar o direito à liberdade de expressão.

Fonte – https://www.atlas.jor.br/v6/brasil-tem-reducao-de-8-6-nos-desertos-de-noticias-em-2023-mas-o-jornalismo-local-precisa-de-incentivo/

Silmara Helena Pereira de Paula é jornalista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua na área desde 1994 e trabalha em comunicação pública desde 2003. É pós-graduada em Docência em Ensino Superior pelo SENAC-SP (2015) e em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela PUC-RS (2021). Atualmente é assessora de imprensa concursada na Câmara Municipal de Arujá.