A menina e os biscoitos. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Claire era uma menina esperta, que gostava muito de se divertir na casa da babá, Laurinda, uma brasileira. Ellen, americana, e mãe da menina, era médica pediatra e trabalhava 24 X 72 horas em um grande hospital de Punta Gorda, na Flórida.

Laurinda tinha um casal de gêmeos, Ana e Emílio, com a mesma idade de Claire, 4 anos. A babá era bem acostumada com a filha de Ellen, afinal era a madrinha da menina e cuidava dela desde os 3 meses de idade. Doceira muito conceituada na cidade, ela foi morar nos Estados Unidos ainda criança, depois que saiu com os pais do Brasil. Eles lhe deixaram de herança uma enorme casa de 15 cômodos. Em alta temporada de férias de verão e no inverno, ela isolava o segundo andar e fazia dali uma pequena pensão de quatro quartos. Era preciso colocar a herança dos pais para “girar a economia”, ganhando assim uma boa grana com o empreendimento. O trabalho como doceira era feito em casa, logo poderia cuidar dos filhos e tirar outra renda como babá de Claire.

As duas mães eram vizinhas de porta e amigas de muitos anos. A confiança era recíproca. A filha de Ellen gostava bem de uma “baguncinha”. Os gêmeos não ficavam atrás… Na casa da babá havia uma mesa enorme de madeira com um tampo de pedra. As meninas faziam a mesa de passarela de desfile. Nem se preocupavam em colocar o vaso de samambaia em um canto da sala. Subiam na mesa com ele lá no meio.

– Cuidado, Ana! Não podemos quebrar a samambaia da minha dindinha.

As duas amiguinhas eram bastante cuidadosas. Jamais encostaram na planta ao “desfilarem” na mesa. Elas falavam que, quando crescessem, iriam ser “modelos”. Claire aprendeu a falar o português porque seu pai também era brasileiro e a convivência com os gêmeos e a madrinha ajudou muito.

Quando Laurinha descobria a bagunça das meninas, punha logo as duas para ajudá-la a limpar. E não é que elas gostavam tanto de limpar quanto de brincar em cima da mesa?

Já Emílio preferia se pendurar nas cortinas de um dos quartos de hóspedes, no que era o mais escondido na casa. E sempre chamava as meninas para se divertirem com ele:

– Vem Kelinha, vem Ana. Qué bincá na cutina? – Ele ainda não conseguia pronunciar bem as palavras como as meninas naquele tempo, além de misturar inglês com português.

Felizmente, o tecido e a trava do bastão da cortina eram bastante resistentes, jamais despencaram. Eles faziam as cortinas de balanço. Aquele sempre foi o segredo do “trio da bagunça”, assim como os vizinhos os conheciam.

Um dia, “o trio” escondeu o gato, Timóteo, dentro da máquina de lavar. Ele não ficou nem 15 minutos dentro do eletrodoméstico. Foi a sorte do bichano. Por pouco, Laurinda lavava o gato com as roupas de cama. Quando ela abriu a tampa da máquina, o felino deu um pulo para o colo dela, como se agradecesse por livrá-lo daquela “prisão”.

Às vezes, o gato se cansava das traquinagens dos meninos bagunceiros. Os três chegaram a correr por quase uma hora atrás do gato, subindo e descendo as escadas. Quando já estava “cheio” das crianças ele ia para o sótão da casa e passava horas dormindo sossegadamente em um sofá que julgava ser “só dele”. Imagine se Timóteo falasse!

Cada vizinho tinha ao menos uma história das crianças para contar. Paul Trace, o delegado da região, dizia que Ellen e Laurinda embranqueceriam os cabelos ainda muito novas devido às muitas preocupações com crianças tão “serelepes”.

Numa tarde de quarta-feira, Claire sumiu.

Laurinda procurou pela casa inteira, nos dois andares e até no sótão. Tudo muito bem organizado. Como era possível a babá manter sozinha aquela casa enorme, em certa época do ano com hóspedes, dar conta dos filhos, do trabalho como doceira e ainda cuidar de uma menina tão “elétrica”?

Laurinda passou em todos os cômodos, olhando debaixo das camas, mesas e detrás de todos os móveis, abriu as portas dos armários e gavetas. Não encontrou a filha de Ellen. Sim, ela abriu todas as gavetas. Às vezes, os meninos brincavam de se esconder não só nos armários, mas entravam nas gavetas e ainda as faziam de carrinho pelo corredor do segundo andar.

Naquele dia e hora, os gêmeos estavam na escola. Eles estudavam à tarde e Claire, de manhã. Isso diminuía a “bagunça” que os três faziam na casa de Laurinda. Logo, eles não teriam como dar “pista” da filha de Ellen.

Timóteo era tão quieto que nem parecia ser “morador” daquela casa. O gato também não demonstrou falta de Claire. Com certeza, ele estaria se “achando nas nuvens” com o sumiço da menina. A casa enfim estava em “silêncio”.

Passaram-se 4 horas e Claire não aparecia. Laurinda correu pela vizinhança. Mas ninguém sabia dar notícias. O quintal estava limpo. As árvores quietas. Ela passou o olho no pessegueiro, na macieira e por último na casinha das crianças que ficava suspensa na sequoia. Não havia “sinal” algum da menina. Pegou o telefone:

– Desculpe, amiga, mas eu precisava te ligar para… – Disse a babá desesperadamente quando Ellen atendeu ao telefone.

– Estou no meio de uma consulta! O que aconteceu, Laurinda? Onde está Claire? – Perguntou sem deixar a amiga terminar a conversa. – Procurou em todos os cantos? O que os vizinhos falaram? Por que ainda não chamou a polícia? Gritou a mãe desesperada.

– Eu já chamei. Estou aguardando uma resposta de Paul…

– Em 20 minutos, chego aí. – Disse chorando e desligou o telefone.

Por incrível que pudesse parecer, naquele dia, a polícia demorou a chegar. Quando os policiais chegaram, revistaram todo o sótão, sem sucesso. O segundo andar estava em ordem. No primeiro andar, foram em todos os cômodos. Nada! Claire não estava ali. O desespero da mãe e da madrinha só aumentava.

Os policiais estavam exaustos, pois não encontravam a menina. As viaturas correram as ruas de perto. Negativo. Acionaram outras regiões. De acordo com o sistema de câmeras na rua, a menina não saiu mais depois que chegou à casa de Laurinda.

– E aquela porta? O que tem lá dentro? – Perguntou um policial ao ver uma porta fechada na área fora da cozinha.

– É a dispensa do meu trabalho de doceira. Claire não entra lá. Fica trancado e eu escondo as chaves. Ela não as encontraria.

– Vá pegá-las. – Ordenou o policial.

Como Ellen já sabia onde elas estavam, foi buscar trêmula de pavor, pois não encontrava a filha. E também não localizou as chaves.

– Pelo amor de Deus, amiga! Onde você colocou estas chaves? Não estão lá.

– Vamos arrombar a porta! – Gritou o policial.

Ao abrirem o pequeno cômodo, eles encontraram um pacote de biscoitos no chão, além das chaves e ouviram uma tosse de criança. Sim, Claire estava dentro do armário de biscoitos feliz da vida saboreando o terceiro pacotinho de bombom. A menina estava toda suja de doce, chocolate e recheio de biscoitos. Não havia onde estivesse mais lambuzada de guloseima.

– Mãe, veja sua filha! – O policial não conseguiu conter o riso.

Ao chegar à porta do armário que não era no chão, mas numa altura de 1 metro na parede, Ellen tomou um susto com a fala da filha:

– Quê?

– Filhinha, que susto você me passou. Vamos, saia já daí. Depois, a mamãe come. – E pegou a menina imunda de doce no colo.

– Ellen, eu juro, as chaves estavam escondidas naquela parede.

– É mamãe, estava lá. Eu peguei a chave, mas a dindinha não viu. Eu só queria comer chocolate e biscoito.

– Era só pedir, mocinha. A dindinha te dava! – Laurinda e Ellen estavam envergonhadas a ponto de não saberem o que argumentar com os agentes.

Um dos policiais não se deu por vencido, parecia mais uma “piada”:

– Senhoras, Ellen e Laurinda, da próxima vez, cuidem melhor dessa garotinha e escondam bem estas chaves. Imaginem se ela estive dentro de um armário de produtos de limpeza! – E acionou o rádio da central com o seguinte registro:

– WS-776 falando! Menina Claire Soully encontrada dentro de armário de biscoitos, toda lambuzada de doce e chocolate. Ela assumiu ter se trancado sozinha para comer biscoitos. Câmbio, desligo!

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.