A internet e o livro - revolução e fator de exclusão. Por Ilka Carrera.

Assim lacrou Malala: “Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”.

Na galáxia de Gutemberg, o acesso ao livro permitiu democratizar consideravelmente a informação na medida que a impressão em larga escala diminuiu custos e facilitou a produção e, consequentemente, a invenção da prensa foi um marco histórico relevante, porém ainda é preciso dispor de proventos para comprá-los. Apesar de se tornar mais disponível, os livros não eram e não são baratos para boa parte das pessoas.

Na galáxia da web, além de a rede – exponencialmente – ligar e aproximar as pessoas, pode-se acessar conteúdos que outrora seriam inacessíveis e/ou difíceis de conseguir obter. O baixo custo relativo comparado à produção de material impresso, por exemplo, bem como a facilidade de publicação e distribuição, torna a internet um marco histórico igualmente relevante à prensa de Gutemberg.

A rede mundial de computadores revolucionou nossas vidas conectando pessoas e permitindo conhecer informações amplas, mas para usufruir verdadeiramente do universo das redes e conexões é preciso possuir um celular ou um computador e, também, ter um plano com uma operadora para acesso à internet. Assim como o livro, o universo fantástico da web é limítrofe para aqueles com menor poder aquisitivo. A enciclopédia Britânica levou muitos anos para produzir e publicar uma coleção de dados importantes, que na web ficaram disponíveis em pouco tempo. O livro e a internet são produtos que impactaram a economia e a vida social. Portanto, são elementos que conferem poder e melhoria, ou seja, também incluem e/ou excluem.

A recente pesquisa sobre acesso à internet no Brasil acalma e assusta. Apesar de uma melhoria no que tange à quantidade de domicílios e pessoas com conexão, aponta discrepâncias que precisam de um olhar acurado. De acordo com a investigação feita em 2020 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), subiu de 71% para 83% o número de domicílios com acesso à internet. Mas a TIC Domicílios mostrou que apenas 42% usam computador e o principal meio para acesso é o celular com 99%.

Outro achado interessante é que a diferença no acesso à internet entre domicílios das classes A e D/E caiu para 36 pontos percentuais. Antes, era de 83 pontos percentuais. Para além dos níveis de conectividade, sabe-se que há a qualidade do serviço e a quantidade de dados que se pode acessar com o pacote de internet. Ainda segundo a pesquisa, com a pandemia, mais brasileiros usaram serviços de conexão para estudar: aumentou de 12% para 21%. Este é o ponto nevrálgico: a impossibilidade de se conectar de modo adequado para fins educacionais ou simplesmente não poder fazê-lo. A maioria esmagadora usa o celular, porém todas as plataformas usadas como ambiente virtual de aprendizagem ou aplicativos que servem de meio para aula on-line têm mais funcionalidades e apresentam melhor navegabilidade nas versões para computador. Soma-se aqui a questão do pacote de dados limitado para assistir as aulas, baixar o material e pesquisar os conteúdos imprescindíveis para o processo de aprendizagem e percurso exitoso no curso.

Quem estudou ou lecionou durante a pandemia compreende minha angústia diante de tais constatações e a questão não se resolve ao romantizar o esforço do garoto que sobe na árvore com o celular para conseguir assistir à aula e tantas outras situações que viraram notícia durante a pandemia. Nos EUA, o caso das irmãs que usavam o wi-fi de uma loja para estudar chocou e comoveu. É imperioso refletir sobre o acesso igualitário à internet no Brasil, a melhoria na qualidade do serviço prestado e o preço.

Alguns dirão que a volta às aulas resolve o problema, mas sinto muito em negar, pois teremos uma legião de alfabetizados nas letras e analfabetos digitais. Em um mundo digital, não cabe a educação fora do ambiente tecnológico. Como educar para a vida e o mercado de trabalho sem acesso à tecnologia?

Castells e Himanen (2002) avaliam a questão social de acesso igualitário às novas tecnologias e ao conhecimento. Eles fizeram um estudo e compararam o acesso dos cidadãos da Finlândia e dos países desenvolvidos em relação a aderência, grau de facilidade e domínio em relação às novas tecnologias e a internet. Eles discutiram de modo pertinente a inclusão digital e seus desdobramentos socioeconômicos.

Em seu livro “Sociedade em rede”, Castells também enfatizou a marginalização de indivíduos que não estão conectados à sociedade. Parafraseando Malala: “Um professor, uma boa internet e um computador também podem mudar o mundo permitindo uma educação de qualidade, adesão social e acesso à informação”.

Ilka Carrera é relações-públicas, mercadóloga e professora. Mestre em Administração, especialista em marketing e gestão de crises. Consultora em gestão de crises, comunicação e marketing. Administra a página no Facebook e Instagram (@crisesecrises).