2020 divisor de águas. Por Angela Piotto.

Iniciamos o isolamento social a fim de prevenir-nos contra a Covid-19 em meados de março. Sendo até agora 5 meses de isolamento. Durante todo esse período, observamos que 2020 é um ano que seria um divisor de águas. Mas que divisor seria esse?

Bem, vejamos, a Covid-19 trouxe consigo não só a pandemia, como doença física, mas também uma pandemia generalizada com efeito cascata em demais áreas. Num primeiro momento houve redução de horário de trabalho, permanecendo o comércio aberto. Sequencialmente, decretos determinaram o fechamento de comércios em geral e iniciaram-se, então, as demissões em larga escala. O que a princípio, seria um isolamento de 15 a 30 dias, já perdura a longos 150 dias. E contando.

Com as demissões, muitos não conseguiram manter suas obrigações contratuais tais como aluguel, e foram despejados. Sem ter para onde ir, foram amontoando-se nas praças dos grandes centros, sendo alimentados por pessoas que se solidarizam com suas dores. Não discuto aqui a legalidade ou ilegalidade da ação de despejo, mas abordo o fato concreto, puro e simples.

Continuando com o isolamento, estendendo-se por período indeterminado, inúmeras lojas em shopping, ou lojas de rua, e indústrias fecharam as portas. Um verdadeiro colapso econômico. Como dizia o poeta, ‘… e agora José?’.

Não bastasse a incerteza e insegurança que pairam, muito se falou que a pandemia iria trazer novos conceitos e valores adormecidos. Instalou-se, inicialmente, uma sensação de irmandade – de um se importar com o outro, do abraço, das visitas de domingo na casa dos avós terem outro significado. Uma sensação de reencontrar valores há tempos esquecidos.

Enfim, após passar o primeiro impacto emocional, afloraram-se então outras emoções. Vimos em jornais, desde a primeira-dama do estado de São Paulo, que moradores de rua seriam preguiçosos e não deveriam receber alimento gratuito. Vimos criança morrer ao cair de um prédio enquanto a mãe estava a trabalhar, levando os cães da patroa para passear. Vimos desembargador ameaçando e humilhando policiais em serviço. Uma profissão, ‘a do meu marido, engenheiro’, querer sobrepor-se às dos demais seres humanos. Vimos um homem que reside em condomínio de classe média alta humilhar um entregador de comida, e soubemos de uma menina de dez anos sofrendo estupro – há anos – de familiares, e engravidando, para depois submeter-se à interrupção da gestação. Vimos, ainda, pessoas ‘cristãs’ – em frente ao hospital -, condenando a menina e os médicos.

Sem contar com as demais atrocidades aqui e no mundo, o citado acima, é somente Brasil. De repente, dá vontade de dizer ‘para tudo que eu quero descer’, ‘pane no sistema’, ‘dá um reset, por favor’.

O mundo vive um momento carente de humanidade. Muito se fala de amar o próximo, mas pouco se ama. Penso que 2020 veio para repensarmos, observamos tudo – boquiabertos, com uma certa incredulidade. Mas, sim, infelizmente ainda estamos há milhas de distância de nós mesmos. Esse ano veio para sacudir, para um olhar para dentro e se perguntar; afinal o que me move, do que sou feito?

Espero que ao olhar-se no espelho e encarar-se, você esteja preparado para lidar com sua caixinha de surpresas. Andar com humanidade neste ano é o maior desafio que a Covid-19 trouxe.

Angela Piotto é graduada em Direito, pós-graduanda em Direito do Trabalho, Direito de Família e Psicologia Jurídica. Atua como Terapeuta Integrativa.