NOVA ARTICULISTA: Fernanda Lanza Llanas - O fim das redes sociais e o apogeu do desejo mimético.

Para quem acompanha as redes sociais, não somente como usuário, mas também como observador, é possível notar uma relevante transformação na última década. Tratando mais especificamente do Instagram, muito se ouve sobre as alterações do algoritmo; fato é que as implicações práticas destas mudanças estão levando ao fim daquilo que inicialmente se propôs a rede.

Para que possamos mensurar o que estou mencionando, te proponho um exercício que eu acabo de fazer. Vá até o seu feed do Instagram e observe as publicações. Eu as dividi em quatro categorias: perfis que sigo (amigos, influencers, empresas), hashtags (#) que sigo, links patrocinados e sugestões. Resultado: das 20 primeiras publicações do meu feed, seis eram de perfis que sigo, seis patrocinados, quatro hashtags que sigo e quatro sugestões baseadas em minhas preferências. Ou seja, meu feed já não é só meu.

O que antes era um ambiente estritamente dedicado aos relacionamentos sociais, como troca de fotos e legendas entre amigos, é agora um espaço aberto para publicidade e conteúdo sob demanda – de produtores que você nunca viu -, selecionados para você pelo algoritmo.

Quando lá nos anos 2000 nasceram Facebook, Instagram e outras redes sociais, seus criadores certamente não poderiam prever que suas plataformas de amizade se tornariam verdadeiras “ágoras” dos tempos modernos. Grandes “praças” onde tudo entra; aliás, tudo não, mas aquilo que alguém escolheu por você, incluindo entretenimento, política, comércio, educação, cultura, religião/espiritualidade, relações amorosas e tudo mais que você desejar e não desejar.

O desejo mimético

E já que falamos em desejo, aproveito e trago um outro conceito para a nova era das redes sociais. Se não são mais as amizades o cerne das plataformas, o que ou quem está no centro deste palco?

Ouso dizer que o centro permanece sendo a pessoa – mas não exclusivamente em sua dimensão social -, o que não quer dizer que os seus melhores interesses serão preservados e correspondidos neste ambiente. Pelo contrário, suas potenciais fragilidades é que serão exploradas e capitalizadas.

É assim que chegamos à teoria do desejo mimético, desenvolvida pelo filósofo francês René Girard a partir da década de 1960. “A concepção romântica do desejo é ilusória”, afirmava Girard, falecido em 2015, aos 91 anos. Segundo ele, entre a pessoa e o objeto não existe somente o desejo, mas o mediador do desejo, sendo um modelo ou um rival. Ou seja, nossos desejos são modelados a partir dos desejos percebidos de quem admiramos. É como se imitássemos aquilo que vemos os outros desejando e, sendo assim, nossos desejos não seriam inerentemente nossos.

Este fenômeno, o qual influencia nossas escolhas, comportamentos e interações sociais de maneira profunda e muitas vezes sutil, resultará em uma série de consequências psicológicas, sociológicas, antropológicas e, também, econômicas. E aqui destaco sua utilidade máxima dentro da nova era das redes sociais; a capitalização dos nossos desejos que podem ser manipulados por meio da mimesis.

O marketing digital e o desejo mimético

O marketing digital, portanto, é uma potencial ferramenta na capitalização do desejo mimético na medida em que cria e distribui conteúdo que engaja e desperta o anseio e a imitação no indivíduo, moldando seus comportamentos de interações online e de consumo.

Trago um exemplo extremamente ilustrativo e, também, muito simples para esta dinâmica; o influenciador digital. Os chamados influencers, que apesar de seus trejeitos espontâneos, não fazem movimentos aleatórios, são muitas vezes conduzidos por grandes agências e têm um papel significativo no marketing nas redes.

Por meio do compartilhamento de suas rotinas e experiências, esta figura irá gerar em seu seguidor, que o admira, o desejo de imitar seu estilo de vida e suas escolhas, atuando como um amplificador do desejo mimético. À luz do que define Girard, aqui vemos acontecer o que ele chama de mediação externa, quando há uma devoção pelo mediador, como um ideal de perfeição e não como um obstáculo.

As consequências diretas desta mediação entre a pessoa e o objeto, feita pelo “modelo” (influencer) são:

– Criação de tendências: o influencer cria e divulga uma tendência, e em efeito cascata, os seguidores imitam e disseminam;
– Construção de identidade: a partir do que diz e faz o influenciador, seu seguidor irá se identificar e replicar hábitos e valores em sua vida, dando forma à sua própria identidade;
– Modelo de comportamento: o influenciador idealizado é um padrão a ser imitado irrestritamente;
– Validação social: o seguidor busca aprovação quando imita o comportamento de um influenciador, que é reconhecido e admirado por sua comunidade;
– Impulso de Vendas: uma vez estabelecido o vínculo com o seguidor, o influenciador tem o poder de impulsionar as vendas de produtos e serviços por meio de recomendações e parcerias com marcas.

Somos, então, os desejos dos outros?

Posto que as redes sociais não são mais as mesmas e que se tornaram a apoteose do desejo mimético – que é a grande arma do marketing digital para nos persuadir -, lanço a você, que chegou até aqui, algumas provocações; não temos desejos originais? Somos os desejos dos outros? Estamos à mercê dos algoritmos e do marketing? Seremos eternamente manipulados pela inveja? Como nos desvencilhar deste cativeiro digital?

Eu tenho algumas hipóteses para responder estas questões, mas não irei entrar em detalhes, deixando com você essas reflexões. O que posso garantir a partir da minha vivência é que a aventura humana vale a pena, e somos muito mais do que os nossos posts ou o que dizem por aí sobre nós.

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Para saber mais sobre a Teoria Mimética e René Girard, vale explorar sua vasta produção bibliográfica. E, por se tratar de um filósofo contemporâneo, temos também o privilégio de encontrar material audiovisual com o próprio Girard em plataformas como o YouTube.

Fernanda Lanza Llanas é jornalista com especialização em Corporate Affairs pela Fundação Getúlio Vargas. Com 20 anos de experiência em Comunicação Corporativa, atuou em agência de comunicação multinacional nos setores de bebidas e tecnologia, além de passagem pelo Terceiro Setor. É empreendedora, sócia-fundadora da Saife Comunicação (https://saife.com.br/), mãe da Luisa e da Helena, e gosta de legendar o mundo!