Comunicação com comunidades e 'stakeholders': a importância da licença social para a gestão de risco e de reputação. Por Vanessa Costa.

A edição de 2020 do relatório global RepTrack, do Reputation Institute, que avalia e mensura indicadores responsáveis pela queda ou aumento da reputação de empresas no mundo todo, trouxe este ano uma informação interessante. O levantamento, cuja amostra total foi de quase 79 mil respondentes em todo mundo, destacou que o que vem determinando e sustentando a reputação positiva das 100 empresas mais respeitadas no mercado, globalmente e na última década, mais que os produtos ou serviços que vendem, é a forma como administram a responsabilidade social corporativa em seus três pilares: governança, local de trabalho e cidadania.

É claro que a qualidade na entrega dos produtos ou serviços do portfolio continua pesando muito nesse indicador, e sempre pesará, mas nesta edição o relatório evidenciou que a percepção do negócio frente a seus diversos públicos de interesse é o que tende a puxar o índice para cima ou para baixo, determinando maior ou menor vantagem competitiva.

Quando li essa informação pensei na coerência do discurso e na importância da comunicação. E, no que diz respeito à cidadania, pensei na crise da Covid-19 e em como as novas condutas sociais impostas pelo vírus trouxeram à tona falhas nesse pilar, civis e corporativas.

Tenhamos como exemplo a construção civil na cidade de São Paulo, a mais populosa do país. Tenho acompanhado pelo noticiário um aumento significativo do número de reclamações por conta de obras realizadas dentro de uma jornada incômoda, ainda que dentro da lei, ou realmente inaceitável. É interessante perceber que, com a maioria da população confinada em casa, e em muitos casos em apartamentos compactos, os impactos negativos dessa atividade ganharam importância e tornaram-se mais evidentes à percepção da vizinhança. O que é totalmente compreensível. Ruído, sujeira, fumaça, trânsito pesado, lixo, tudo isso somado à ameaça virulenta lá fora, só serve para prejudicar ainda mais a qualidade de vida de qualquer um.

Nesse cenário, me parece que estar dentro do compliance, obedecendo às normas que a lei determina para obras da construção civil, torna-se pouco para a empresa que é socialmente responsável. Simplesmente porque o compliance fica raso à vizinhança, um tecido social profundamente modificado pela crise, carente de atenção e que é sim stakeholder importante da empresa, porque, neste caso, exerce influência política sobre ela. Ou não é verdade que sucessivas reclamações de moradores a órgãos do poder público podem culminar em multas pesadas à organização, ou até mesmo no embargo da obra?

E é aí que a comunicação pode entrar fazendo a diferença e tomando assento estratégico na política de responsabilidade social da organização que faz gestão de riscos e enxerga na crise uma oportunidade à construção da reputação positiva, fator que, como vimos no relatório RepTrack, determina vantagem competitiva no mercado.

Se a vizinhança é stakeholder estratégico, por que não informar as lideranças do bairro sobre o passo a passo do projeto, cronograma e horários a serem cumpridos, e os cuidados da empresa para minimizar impactos relacionados a ruído, sujeira etc.? Por que não estabelecer um canal de comunicação com aquele público sobre o projeto que, durante um determinado tempo, vai influir tanto no cotidiano do bairro?

O diálogo com a comunidade, dentro de um plano de comunicação estruturado e sob medida, vai além do compliance porque constrói relacionamento, interfere na percepção da marca junto a potenciais consumidores e conquista o que o mercado chama de licença social para operar, ou seja, quando a comunidade compreende o projeto e, uma vez informada, sente-se mais tranquila e com mais confiança na empresa que está à frente da atividade. E isso não tem preço!

A crise que vivemos hoje só reforça a demanda do mercado por empresas cada vez mais socialmente responsáveis e a importância da licença social neste contexto. E este é apenas um exemplo de como a comunicação pode e deve ser vista como instrumento estratégico de gestão de riscos e reputação em empresas que fazem ou querem fazer a diferença em um universo corporativo cada vez mais competitivo, com consumidores cada vez mais complexos e conscientes.

Vanessa Costa tem formação em Jornalismo e Comunicação Empresarial pela Fundação Cásper Líbero e especialização em Marketing Digital pela ESPM. Cursa atualmente um MBA em Gestão de Projetos. É co-fundadora da Elabore Estratégia (www.elaboreestrategia.com.br), agência de comunicação integrada com foco em empresas de qualquer porte e setor, startups, ONGs e instituições representativas. É escritora e autora do livro infantil ‘As Fadas Banguelas’. E-mail: vanessa@elaboreestrategia.com.br