Alteridade e identidade cultural: problematizações da modernidade. Por Débora Mendes Ferreira.

Hoje, a palavra inclusão está na moda. O discurso acerca de incluir as diferenças se tornou obrigatório na área social e na educação, mesmo que não se tenha consciência do que realmente significa e de que maneira se dará. Se observarmos os discursos político-partidários, a propaganda de TV, os planos e projetos pedagógicos nas escolas e organizações, teremos a ilusória percepção de que realmente vivemos um período de “aceitação e respeito as diferenças” – sejam elas quais forem: étnicas, sexuais, de gênero, religiosas, culturais, raciais, enfim.

Conceitos como diversidade, diferença, identidade e multiculturalismo adentram instituições escolares, empresariais, mídia e campanhas eleitorais. As palavras respeito e igualdade se tornam abertura de qualquer discurso que se diga democrático, social ou humanitário. Desta forma, em certas retóricas, o termo diversidade se torna palavra suave que tranquiliza nossa consciência ou produz a ilusão de que assistimos profundas transformações sociais e culturais.

E, para conseguirmos compreender questões tão inerentes à nossa sociedade atual, tais como as relações de ordem social e econômica, devemos refletir sobre as definições e as relações que apontam causas e consequências destes fenômenos: identidade cultural, alteridade e modernidade.

A identidade cultural diz respeito às representações de um “povo” ou uma “cultura”, bem como o sentimento de pertencimento em relação a eles. Desse modo, ela não acompanha o indivíduo ao nascer, mas é construída ao longo da vida em relação aos outros.

A alteridade é, então, a concepção que parte da ideia básica de que todo o homem social interage e depende de outros indivíduos. Dessa forma eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado pela experiência do contato.

Portanto com a globalização e a modernidade, e o surgimento do Estado-nação, a identidade tornou-se decididamente um “assunto de Estado”. Como afirma Denys Cuche (2002, p. 188), “O Estado torna-se o gerente da identidade para a qual ele instaura regulamentos e controle”.

E para construir uma forma unificada de identificação a partir de tantas diferenças existentes no interior de uma nação, igualando os traços essenciais de uma identidade nacional… “para o Estado só havia lugar para uma língua, uma cultura, uma memória histórica e um sentimento patriótico”. O projeto do Estado-nação necessitava, portanto, arrancar pela raiz as diferenças e/ou diferentes, e que fosse por meio de “assimilação”, ou por meio da “eliminação/exclusão”.

A modernidade inventou e multiplicou os “anormais”, criando instituições com a função de normalizar os elementos da cultura, reproduzindo e legitimando uma cultura, uma identidade e uma consciência nacional que, sendo assim, se tornaram palco de produção, reprodução e controle da alteridade no contexto da modernidade afim de purificar e limpar toda a “sujeira social”.

Com a falha do cumprimento da missão do Estado-nação em trazer estabilidade e segurança, os movimentos comunitaristas se mostram fortalecidos como comunidades “naturais”, mas acabam se igualando ao Estado construindo discursos excludentes e preconceituosos, marcados pela globalização contemporânea, a qual promove um grande desequilíbrio entre a liberdade e garantias individuais, impossibilitando em manter puras as suas tradições, ainda que instransponíveis sejam as fronteiras que separam o “dentro” e “fora”.

Por fim, neste período de incertezas, de falência e crises nas instituições estáveis da modernidade, em que o excesso de liberdade promove ainda mais a falta de segurança, num período em que temos medo, em que almejamos ordem, estabilidade, habitar numa comunidade seria perfeito – se não fosse ela uma réplica do Estado-nação, com toda a sua perversidade e limitações.

Referência

OLIVEIRA. PACHECO, Joice. Identidade cultural e alteridade: problematizações necessárias. Spartacus – Revista Eletrônica. UNISC – Santa Cruz do Sul/RS (2017).

Débora Mendes Ferreira é graduanda em Comunicação Institucional pelo Centro Universitário das América (FAM). É mãe, aprecia literatura, cultura e transparência.