E não é que o cidadão Kane "baixou" no Rio de Janeiro?

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E não choveu. Nem muito nem pouco. Apesar do seu ALERTA À POPULAÇÃO da cidade para a quinta-feira (ontem). Chuviscos e pancadas isoladas, sim, como acontece todo santo dia em algum bairro desta imensa metrópole. Mesmo sob um verão tórrido. Veja a íntegra da “notícia” (do Estadão) replicada pelo Diário do Grande ABC: http://www.dgabc.com.br/Noticia/1200896/paes-alerta-para-temporal-no-rio-na-tarde-desta-quinta?referencia=minuto-a-minuto-topo 

Mas a rotina da cidade foi totalmente alterada pelo “comunicado” irresponsável do prefeito Eduardo Paes. Dado (em tom grave) em linhas impressas, em áudio e em vídeo, um “herói”… comparável a administradores-líderes de cidades que passaram por grandes tragédias…

Este OCI questiona – e sempre alerta – para o tamanho de mais uma responsabilidade dos governantes: suas falas públicas.

Num país iletrado como o Brasil, a fala do prefeito, do governador, dos ministros, do presidente, de autoridades, enfim, são tidas pela população como verdadeira “fala do trono”. Pior: uma “fala do trono” que remete ao tempo em que o Estado andava de mãos dadas com a Igreja Católica. Ou seja, a voz do governante de plantão seria, também, a voz de Deus…

E como tal portou-se o alcaide desta São Sebastião do Rio de Janeiro. Como o senhor do tempo. Das horas, do espaço, da meteorologia.

Antevendo uma tragédia de grandes proporções, falou a uma cidade que não tem um plano para receber tais comunicados, a não ser as tais 103 mencionadas “áreas de risco”, não tem treinamento sobre o que fazer, para onde ir. (Um bom exemplo deste tipo de treinamento maciço de toda uma população urbana pode ser visto na nossa vizinha Santiago, no Chile, ou nas províncias japonesas – http://www.pref.aichi.jp/global/pt/living/prevention/).

Depois que se descobriu que os “piscinões” das praças da Bandeira e Varnhagen não têm previsão para uso da água – limpa – que neles se acumulará, a nova trapalhada do prefeito é digna, em nossa opinião, de uma reprimenda pelo Ministério Público por mau uso da informação de caráter institucional. Por vir de quem veio, a comunicação ganhou gravidade e peso, fazendo despencar sobre os cidadãos algo até pior que temporais – o medo.

As pessoas ficaram apavoradas diante do sinistro “comunicado” do prefeito. Mães nervosas telefonaram para seus filhos. Filhos aflitos telefonaram para suas mães. As falas comuns eram para “não sair de casa por causa do temporal”, “deixar para lá os compromissos”, “não pegar ônibus ou metrô”, “táxi – nem pensar em querer – porque não sobra um deles desocupado em dias de chuva na cidade…”.

E patrões liberaram funcionários mais cedo. A ponte Rio-Niterói engarrafou às três horas da tarde. As barcas lotaram mais cedo do que de costume. Quem pôde, passou em casa pelo menos para “salvar” o carro antes de ir para seu compromisso noturno inadiável. Para, aliás, na volta, perceber uma cidade tão seca quanto deserta.

Eventos foram cancelados, adiados (apesar das despesas contratadas e pagas). Deixou-se de trabalhar, de faturar, de ganhar o sagrado pão daquele dia. Aulas foram suspensas já no fim da manhã. E para quê? Para que o alarmante prefeito do Rio de Janeiro tivesse a sua chance (de todo, ganha) de reeditar uma cópia de factoide do “Citizen Kane”, “convocando” uma coletiva de imprensa às 6 horas da manhã. Orson Welles, pelo menos, falou de uma invasão de marcianos…

No Rio de Janeiro, marciano – parece – é quem, muito mal, administra a sua própria voz.

Mais sobre o circo: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/02/rio-se-prepara-para-forte-chuva-nesta-quinta-feira.html

Mais sobre o estilo, digamos, histriônico, do prefeito Eduardo Paes (sim, porque os vídeos deste episódio específico foram simplesmente enxugados da internet: https://www.youtube.com/watch?v=jODE-k4v-qU)

Mais sobre o factoide original: http://www.infoescola.com/cinema/cidadao-kane/

FOTO: O Globo.