Vitalidade da marca: remédio ou veneno? Por Karina Grechi Tagata.

Vitalidade, segundo o dicionário, quer dizer capacidade de viver, de se desenvolver; força vital, vigor; conjunto das funções vitais do organismo. Transportada para o mundo do consumo, fica a pergunta: qual a dose ideal dessa característica para as marcas hoje?

Todo o mundo (e eu falo todo o mundo mesmo, isto é, as pessoas em todos os continentes) já foi impactado pela tecnologia de alguma forma e em alguma medida. E esse impacto modificou nosso olhar e o jeito como nos relacionamos com as marcas.

Apesar de cada cantinho desse mundão fazer negócios de seu jeito, de acordo com sua cultura, uma coisa permanece igual em qualquer rincão: o foco das marcas ainda tem de estar nas pessoas.

Eu sei que a internet nos deu braços muito mais longos… e virtuais: hoje somos capazes de acessar e comparar produtos e serviços em qualquer lugar do planeta. Mas a revolução digital foi muito, muito além disso. Ao nos permitir conhecer outras marcas na distância de um clique, ganhamos poder como consumidores e nos empoderamos também como formadores de opinião ao postarmos nossas opiniões pelas redes sociais. 

A disrupção digital provocou um enorme tsunami no status quo das marcas – principalmente das líderes, que já não podem permanecer em berço esplêndido, como se estivesse fazendo o ‘favor de vender’ ao consumidor. 

Ah… e para usar um termo do professor Cortella, já não basta ‘capricho’ na manufatura e entrega do produto ou na execução do serviço. Cada vez mais isso não é diferencial, mas parte intrínseca da qualidade minimamente exigida para permanecer no mercado. 

Pois é, meus caros, o vento mudou e quem não ajustou as velas teve o barco virado pela onda digital. Se antes o cliente era obrigado a comprar produtos e serviços como definido pelas áreas de marketing e comercial das empresas, hoje é o mercado que deve se adequar aos seus consumidores. 

É bem verdade que esse não é um desafio apenas para as grandes marcas, mas acredito que para elas seja maior do que para as pequenas e médias. 

No ambiente 4.0 não existe receita pronta, então o líder que empenhava um determinado nível de esforço para se manter na liderança, hoje vê seu discurso escorrer pelo ralo porque a transparência trazida pelo mundo virtual o obriga a calibrar e demonstrar na prática que ele é o que diz que é. Nesse sentido, aqueles que estão começando a jornada, ou que brigam por um naco maior de market share já trazem essa condição no seu DNA sob pena de não sobreviver ao próximo clique. (Aqui faço um aparte para dizer que, a respeito da transparência das marcas, saiu há poucos dias um artigo bem interessante do Luiz Maciel – no Valor Econômico -, inclusive com os números do Authenticity Gap, um estudo realizado pela FleischmanHillard – maior agência global de comunicação corporativa americana, sobre a diferença (gap) entre marca e reputação com base na expectativa dos consumidores. Esse é o link: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/12/04/comunicacao-corporativa-sociedade-exige-mais-transparencia-das-empresas.ghtml )

Continuando o raciocínio, toda organização, toda marca, toda empresa tem um DNA. Mesmo que ela própria ainda não tenha se dado conta, mesmo que seu ‘jeito de ser, de fazer negócios, de tratar o funcionário, de lidar com o cliente’ ainda não esteja estruturado, o DNA já está lá. E é este DNA que, no dia a dia, vai assegurar sua autenticidade, sua vitalidade no relacionamento com seus públicos de interesse.

E é neste ponto que estamos diante de uma escolha que pode ser remédio ou veneno para as marcas: ao longo dessa última década, vimos a explosão do big data e dos algoritmos – ferramentas usadas para vitaminar as marcas e garantir sua vitalidade no radar dos consumidores, perpetuando o conjunto de funções vitais da organização no mercado. 

Hoje você faz uma busca no Google e menos de cinco minutos depois começa a receber ‘sugestões’ de outros produtos/serviço similares da marca e até de outras marcas, de grupos de redes sociais com interesses parecidos, de ‘gente’ (influenciadores digitais) que tem algo a dizer a respeito daquele produto ou da própria marca.  

Para ser sincera, me sinto incomodada com todo o vigor desse tipo de comunicação, aliás me pergunto se isso que me faz sentir invadida pode ser chamado de ‘vitalidade da marca’ ou é simplesmente a falta de um bom planejamento da comunicação e do marketing, e de equilíbrio no uso das vitaminas, das ferramentas que nos aproximam. 

Acredito no poder dos dados e na beleza da inteligência artificial – principalmente quando ela faz nossa vida melhor, mas questiono a forma como muitas marcas e organizações estão fazendo uso desses recursos. Que me perdoem os apaixonados pela tecnologia, mas se o foco das marcas ainda tem de estar nas pessoas, a vitamina não pode virar anabolizante, sob pena de matar seu usuário. Faz sentido para você?

Karina Grechi Tagata é jornalista, com mais de 30 anos de profissão, adquiridos em grandes empresas de segmento de mídia e multinacionais. Tem vivência gerencial em Comunicação e Marketing, atuando na construção e consolidação do branding. Atua também como Assessora de Imprensa no comitê executivo do Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas – seção São Paulo e Paraná (Conrerp2).