Um (re)encontro? Por Juliana Fernandes Gontijo.

– Quem está aí?
– Não sei, vou procurar saber…
– Como assim? Você bate à minha porta e não sabe dizer quem é você?
– Já disse que não sei quem bateu.
– Quem é você?
– Não fui eu quem bateu à sua porta.
– OK… mas agora estou falando com quem, pode me dizer?
– Não!
– O que quer na minha casa?
– Eu não quero nada.
– Você bate aqui, incomoda meu sono e não quer me dizer pelo menos quem é?
– Mas eu não bati à sua porta.
– Ah… agora eu sou maluco?
– Não coloque palavras na minha boca!
– Eu ouvi três batidas na porta.
– Mas não fui eu. Só pode ter sonhado, isso sim… Você disse que estava dormindo, certo?
– Então por que respondeu quando eu perguntei?
– Não me custava te responder.
– Mas se não era você, deveria ter ficado calada.
– Então, me desculpe por incomodar sua pessoa.
– Não tem desculpa.
– Ei! Eu só queria ser gentil…
– E o que você chama de gentileza?
– Responder a uma pergunta, ora bolas!
– Se não era você, por que respondeu?
– Olha, eu tenho mais o que fazer a ficar discutindo com uma pessoa que nem conheço.
– Você é de onde pelo menos?
– Apartamento 802 e nada mais que isso.
– Ah… Aquele que estava p’ra alugar até na quinta passada…
– Desisti do aluguel e resolvi me mudar, mas…
– Mas o quê?
– Não é da sua conta! Você é um sujeito muito inconveniente.
– Eu?
– Sim, exatamente.
– Ah… faça-me o favor!
– Eu não sei quem bateu à sua porta, então, não me enche!
– Caramba, você poderia ser, pelo menos, mais educadinha, não é mesmo?
– Preciso ir embora, ou vou chegar tarde ao meu compromisso.
– Não vai embora…
– Me erra, cara! Nem sei o porquê de eu estar conversando com você.
– OK… mas e se a gente fosse tomar uma xícara de café? Ou um vinho…
– Não!
– Ah… Você não bebe…
– Ora seu… Não estou a fim!
– Eu também não posso, foi só uma ideia… Mas a gente pode se conhecer, afinal, somos vizinhos agora…
– Um dia muito distante de hoje pode até ser…
– Isso quer dizer um não?
– Não!
– Ah… pode ser daqui uns dias então, porque estou… Sim… Estou com Covid.
– Chega, cara! Você é muito intrometido. Você nem me conhece! Ainda mais com Covid… Eu quero distância… Passei “maus bocados” em 2021…
– Acho que te conheço…
– De onde? Eu cheguei ontem ao 802…
– Mas não é daqui!
– Não me venha com conversa mole… Esse papinho de conquistador barato e…
– Miami!
– Oi?
– Entre 2015 e 2018… Estudamos juntos.
– Como é que é?
– Intercâmbio!
– Não sei do que você está falando!
– Ah… sabe sim. Eu nunca te esqueci, Andreza. É você mesmo!
– Meu nome não é Andreza.
– Eu sei que é. Não adianta disfarçar!
– Cara, não me enche. Já falei que não te conheço. Tchau!
– Não vá embora! Não faça isso comigo, por favor.
– Não sei quem você é! Não reconheço a sua voz!
– Sou eu, Andreza, o Pablo. A não ser que você não queira mais falar comigo. Tudo bem, então “Deza”…
– Ainda mais “Deza”! Quem te deu esse direito? Quer que eu repita? Eu não te conheço!
– Ah… linda… O vestido verde com renda preta na festa da Lilian… Os seus cabelos estavam presos por um “rabo de cavalo”. Não era assim que você falava?
– Ah… Para! Não estou acreditando…
– Encontramos no Central Park às 18 horas, naquele domingo (2 de dezembro de 2018). Você estava com aquele vestido. E aí? Você ainda tem ele?
– Como isso é possível?
– Espera! Preciso te mostrar uma coisa…
– Não abra essa porta!
– Ô linda, calma. Não vou abrir!

Silêncio por alguns minutos. Pablo passa por debaixo da porta a foto dos dois naquele dia.

– Como isso é possível, Pablo? Eu procurei você por tanto tempo… Como pode ter feito isso comigo?
– Eu sei que não tem desculpas, Deza… A minha vida mudou por completo. Eu voltei para o Brasil por causa de um problema de saúde na família. Não consegui te avisar. Um tempo depois, acabei me casando com uma antiga namorada, mas não deu certo. Por tudo o que passei na família, deixei o “sonho americano” de lado e resolvi tocar os negócios do meu pai aqui no Brasil… Cheguei até a pensar que você estivesse com alguém, sei lá… Casada… Tentei te procurar várias vezes, mas eu não tinha retorno…
– Passado é passado! Você não sabe da minha vida! Eu voltei para cá, porque não consegui o green card… Fiquei ilegal nos Estados Unidos, mas como não tive sorte, fui deportada no ano passado.
– Caramba!… Mas e se a gente recomeçasse de onde a gente parou?
– Como assim? Do nada, você aparece na minha vida e me faz uma proposta dessas?
– Por que não?
– E por que eu deveria? Você só pode estar maluco! Não sei… É muita informação para minha cabeça…
– Somos vizinhos agora. Olha só o destino cruzando a gente de novo.
– Não sei!
– Isso é um NÃO?
– Mas também não quer dizer que seja um “SIM”… Só o tempo terá a resposta… Quando você se recuperar totalmente a gente pode se encontrar e quem sabe tomar uma xícara de café… Na minha casa não, nem na sua!
– OK, linda! Só depende de você! Só de você!…

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.