PENSANDO ALTO - Romantizamos o propósito?

Comunicar o propósito de marcas e iniciativas é cada vez mais comum no mercado. Sabemos que vender apenas um produto e seus benefícios não supre mais as expectativas dos consumidores, principalmente da geração Z em diante. E, sim, isso é ótimo e faz todo o sentido! Mesclar causas sociais com uma boa experiência e envolver o produto ou serviço com uma estratégia de pesos e mídia, é o que grandes marcas fazem, e, em muitos casos, desde o seu surgimento. Afinal, o conceito de marca é esse: aquilo que só eu posso oferecer, e é relevante por algum motivo.

Mas será que hoje, com todo acesso que temos a estudos e a cases de sucesso, idealizamos um pouco esse conceito? Nós – e quando digo nós, envolvo consumidor, marca e profissionais de comunicação – romantizamos o propósito?

Para essa fórmula funcionar, sabemos que um ingrediente é essencial: a veracidade. Não adianta aumentar a diversidade no casting, com pessoas negras ou LGBTQ+, e não ter atitudes inclusivas dentro da corporação. A marca com propósito precisa ir além da comunicação para ser, e também ser lida, como verdadeira. Os consumidores questionam muito mais, e buscam o consumo consciente – ainda bem!

Em uma pesquisa divulgada pelo Meio e Mensagem, temos que 77% dos entrevistados esperam que as empresas contribuam mais para a sociedade hoje do que no passado. E, como contribuição, entendemos que são ações verdadeiras: o famoso ‘falar é fácil’. E essa pesquisa foi lançada em 2018 – imagine agora quando aplicamos a lente pandêmica, quando a empatia é mais importante que nunca.

No entanto, não é apenas apegados a dados como esse que deveríamos inserir o propósito na comunicação – até porque isso é conceitualmente errado. Ele deve nascer com a marca, ou até surgir antes: dar origem a ela. A romantização do propósito, que é otimista por um lado, por que é evidência gritante de sua importância, também nos faz crer que já ter um conceito, um produto ou serviço pronto, e apenas cobri-lo com um manto que o faz soar bem, apenas no campo do discurso, seria uma boa ideia.

A comunicação tem, sim, o poder materializar a empatia, em colocar na mídia pessoas que não faziam parte dela antes, e gerar uma representatividade muito maior em seu alcance e relevância. Ela nos ajuda a ver quem não era visto antes, e abre portas para investigarmos e falarmos sobre o porquê disso. Mas precisamos ter consciência de que ela, a comunicação, não vai mudar o mundo sozinha. Não podemos fantasiar com esse fenômeno, e acreditar que, ao acrescentar uma causa social ao que precisamos vender, já fizemos nossa parte. Ao refletir sobre a missão, visão e valores, a honestidade vem antes das palavras bonitas. E é sempre bom lembrar que elas podem – e devem – mudar ao longo do tempo. É isso que nos blinda da romantização do propósito: a transparência de ir além da comunicação e realmente fazer o que é esperado: a contribuição efetiva.

Giulia Romanelli é publicitária de formação. Leitora e escritora de essência, é atriz amadora, fascinada por reflexões humanas, Filosofia, e pelas relações sociais.