OBSERVE-SE - O sumiço dos coletivos. Por Mariana Vieira.

Os ônibus sumiram da cidade.

A população precisava agora se conduzir pelas ruas sem os coletivos.

Não havia mais os pontos certos de parada, os horários estabelecidos, o conforto de ser levado e trazido, nem tampouco o pagamento pelo encargo. Nada.

– É cada um por si! Disse Miquimba, o mendigo e autoproclamado dono da praça.

Segundo o folclore do lugar, Miquimba foi piloto de avião e passou a se dedicar à mendicância com a falência da Panair, o seu trabalho e grande amor.

Seja pela derrocada em si ou mesmo por uma amarga injustiça que o desafortunado degusta, anos a fio, o fato é que ele é muito respeitado na cidade e as suas recomendações apocalípticas são ouvidas por todos.

– É cada um por si! É cada um por si! Repetia Miquimba, enquanto cortava o ar em movimentos que sugeriam o alçar de um voo.

As pessoas se entreolharam em busca de respostas, todas elas inertes (como postes de concreto) nos pontos dos ônibus.

Após tanto tempo sendo conduzidas por todo canto, como seria agora assumirem a direção e seguirem pelas ruas com as suas próprias pernas? E as suas limitações? E os seus medos? E as tentações? E os sacrifícios?

Aquelas pessoas teriam memorizado os seus caminhos ou passaram o tempo de que dispunham nas travessias diárias com as distrações mentais da moda, esquecendo-se do mundo à volta?

Não havia mais tempo. As pessoas decidiram, então, caminhar pela cidade.

E, neste momento, aquela gente toda se deu conta de que os seus olhos nunca percorreram o entorno daquele lugar tão bonito.

Chegaram à conclusão de que as ruas, as árvores, os monumentos, e tudo o que havia no caminho, nunca mereceram o pouso dos seus olhos, marejados de rotina.

E, tomados pelo êxtase da descoberta, passaram a sorrir e a dividir a água das suas garrafas, as maçãs da sobremesa, a trocar as visões opostas sobre o mesmo rumo e, por fim, gostaram daquilo tudo.

Algumas pessoas foram e voltaram.

Outras, decidiram ir mais adiante, sem o compromisso com o regresso.

Houve quem se perdeu, aproveitando o pretexto e chegou a notícia de quem se achou nesse recomeço.

A praça ficou cheia depois que Miquimba foi visto dirigindo um ônibus, seguindo pela estrada que vai para a fronteira em direção ignorada.

A cidade, não foi mais a mesma. Nem os seus renascidos.

Mariana Vieira é escritora, letrista e advogada. Autora dos livros “Sinto muito, eu te amo (poética dos afetos)”, “Poética dos Absurdos” e “Entre”.