Ô, louco meu! Onde foi parar a humanização? Por Andrea Nakane.

Fausto Silva, ou simplesmente, Faustão, estava no ar há 32 anos ininterruptos frente ao seu Domingão, exibido por uma das maiores TVs de sinal aberto do mundo, a Rede Globo. Mesmo já tendo sido anunciado a não renovação de seu contrato com a emissora e a sinalização de que seu caminho já estava traçado em outra empresa de comunicação, o Grupo Bandeirantes, a partir do final de 2021, ele continuava, com as limitações necessárias ao enfrentamento da pandemia do coronavírus, dedicando-se ao seu programa semanal.

Até que uma infecção urinária o levou a uma internação hospitalar e o mesmo foi substituído por Tiago Leifert na condução da atração.

A escolha recaiu sobre o jovem apresentador que há muito se tornou o “queridinho” da TV Globo e que tem, a cada novo desafio que lhe é outorgado, conseguido performances elogiáveis e de agrado popular. Não há dúvidas com relação ao seu domínio magistral da oratória, bem como retórica. Tiago Leifert cumpre com muita nobreza seu papel de apresentador, com toques de simpatia e singeleza.

É notório que ninguém é insubstituível. Cada um de nós tem seu papel assegurado, pois representamos perfis que são únicos, com algumas semelhanças e que atendam as metas traçadas por uma empresa. A substituição do Faustão foi ação emergencial e decisão tomada para não afetar o ritmo do programa, que busca maior ganho de prestígio.

A personalidade de Faustão há muito era reconhecida por sua firmeza, perfeccionismo e sagacidade na condução de seu programa. Além de ser uma pessoa benquista no meio artístico e de generosidade nada velada com os que diretamente fazem parte de seu círculo mais intimista.

Claro que não era amado por todos, para muitos tinha lapsos de presunção e até mesmo intransigência. Porém, não é possível manter-se alienado com as conquistas de audiência, reproduções de quadros com toques particulares e faturamento que obtinha com sua atuação frente ao seu espaço dominical.

A questão que nos faz refletir sobre essa situação não é a quebra de contrato, a substituição – isso tudo está atrelado ao mundo dos negócios e, nesse caso, a comunicação como uma organização privada busca os melhores indicadores de aumento de faturamento e competitividade no estímulo por engajamento e audiência.

Na semana logo após a substituição, a princípio provisória do Faustão, a emissora em comunicado oficial informou que o mesmo não mais retornaria à grade, tendo, então, antecipado seu desligamento. Isso significava dizer que o apresentador não teria a chance de oficialmente se despedir do seu público cativo há tantas décadas.

Sob esse ponto é que necessitamos refletir. Essa seria a forma mais adequada e sobretudo humana de tratar um ex-funcionário com contribuições de tanto tempo ao negócio e seus objetivos?

Não é possível só pensar que a remuneração do apresentador – em cifras milionárias mensais – seria já a compensação de toda a dedicação ofertada à empresa. Estamos abordando relacionamentos, e esses são feitos por pessoas que carregam em si talentos inúmeros, competências e habilidades singulares, e acima tudo, sentimentos.

Jonh Naisbitt conceituou o termo “High Tech, High Touch” e, na atualidade, o que constatamos é uma hegemonia da tecnologia e do pragmatismo exato, subtraindo a essência de todos nós relacionada a questões emocionais.

Consideração e empatia são valores que se ausentaram desse episódio, já que a contratante – se realmente tem princípios e valores regidos pelo bem estar das pessoas e busca se identificar como parceira de todos -, deveria ter tido uma conduta muito mais amistosa e, porque não dizer, humana?

Mas uma corporação pode ser humana? Claro… até porque ela é composta por pessoas e investe em uma personificação que gere vínculos mais fortes com seus públicos.

Ou será que isso é meramente um discurso e uma técnica de marketing?

É preciso refutar a ideia, há muito ultrapassada, que as empresas são gélidas e desprovidas de comoções. Quem se guiar por esse pensamento retrógrado estará assinando um testemunho de que valores líquidos não podem gerar negócios sólidos, apesar da longevidade já alcançada e a qualquer momento, com a força do imediatismo e da descartabilidade dos dias de hoje, poderá virar pó, em uma simbologia forte, mas verossímil.

É preciso sacramentar que a humanização corporativa não é uma opção, é o caminho para os que almejam protagonizar papéis de grande impacto positivo e ganhar não só dinheiro, mas a mente e o coração das pessoas, que não estando à venda, tornam-se ativos preciosos demais, que só podem ser conquistados com atitudes coerentes e uma comunicação de mão dupla, cristalina e geradora de uma aliança varonil.

Que a Globo tenha gerado um plantão extraordinário e tenha chamado a atenção de todos para não avançarmos nessa conduta desumana, com altas dosagens de insensibilidade e até mesmo crueldade.

E que a própria faça um balanço desse episódio, afinal, uma liderança só pode ser mantida se a mesma tiver humildade de reconhecer erros e traçar novas táticas para alinhar-se à concretude de seu DNA empresarial.

Porém, se a mesma mantiver essa postura, entenderemos o recado e o risco de trocar o canal será enorme, afinal, o brasileiro, além de solidário, é extremamente passional e tende a ficar ao lado daquele que tem o seu papel de injustiçado mais evidente.

Nosso acolhimento ao Faustão e a todos os empregados que foram tratados como meros números e objetos… há muito ainda a evoluirmos na esfera empresarial e um bom começo é inserir de forma categórica e estratégica as premissas das atividades de relações públicas – o que vemos por aí são ações de muita promoção e pouca ação. O desalinhamento da prática com o discurso é enorme e cada vez mais o lobby social será implacável.

O canal do plim plim “errrooouuu” feio, tomara que “se vire nos 30” e “quem sabe faça ao vivo” melhor daqui p’ra frente.

P. S.: As expressões acima são do vocabulário inserido por Faustão em sua trajetória profissional que tornaram-se muito mais que bordões do apresentador, mas um uso popular inserido na linguística coloquial nacional.

Andrea Nakane é bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas. Possui especialização em Marketing (ESPM-Rio), em Educação do Ensino Superior (Universidade Anhembi-Morumbi), em Administração e Organização de Eventos (Senac-SP), e Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF). É mestre Hospitalidade pela Universidade Anhembi-Morumbi e doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com tese focada no ambiente dos eventos de entretenimento ao vivo, construção e gestão de marcas.