O feijão com arroz é que garante a Transformação Digital eficaz (e RP têm tudo a ver com isso). Por Liana Merladete.

Depois de gestores diversos e dos mais variados nichos fixarem o olhar e demandarem ação em torno da inovação, sustentabilidade, diversidade, inclusão, métodos ágeis e experiência do cliente, entre outros direcionamentos – ao perceberem essas tendências como palavras de ordem, muitos, aliás, não compreendendo sentido, significado e papel atrelado à missão organizacional – não de agora temos visto o frenesi em torno da transformação digital.

A verdade é que nem todos absorveram que as tendências podem mudar rapidamente à medida em que novas tecnologias e desafios emergem, e mais; que é crucial que as empresas estejam atentas a essas mudanças e se adaptem conforme o necessário para permanecerem relevantes no mercado.

O ponto é que nenhuma organização será bem sucedida, nem na permanência e nem na relevância, se focar seus esforços meramente no parecer ser ao invés de transpirar e inspirar para, de fato, ser. É mais do que urgente que corramos atrás do impulso para criarmos novos produtos, serviços e processos que agreguem valor aos clientes e que diferenciam as empresas no mercado, mas se inovadores, efetivamente, precisamos, antes, estipular – e compreender – missão, visão e estratégias para tanto. Não podemos estampar no site institucional que temos o foco na responsabilidade socioambiental visando minimizar o impacto negativo no meio ambiente e na sociedade se sequer temos dimensão do assunto ou contribuímos verdadeiramente para a prática da sustentabilidade.

Não podemos projetar respeito à diversidade de gênero, etnia, orientação sexual e background cultural no local de trabalho se não refletimos, minimamente, ambientes mais inclusivos. A verdade também é que não podemos reverberar nossa capacidade de responder rapidamente às mudanças no mercado se não temos agilidade sequer para acolher a ideia de um colaborador engajado que, se seguir desvalorizado, deixará de ser comprometido. Da mesma forma, não podemos enfatizar a melhoria da experiência do cliente em todos os pontos de contato com a empresa se não conseguimos sustentar, a partir da felicidade e realização do outro, a experiência de vestir a camisa da empresa.  

O que eu quero dizer, com tudo e tanto, é que antes de dizermo-nos aptos às rápidas mudanças tecnológicas e ao ambiente de negócios em constante evolução (do alto de um pedestal), precisamos ter certeza de que o feijão com arroz está sendo feito. Sim, o básico, bem feito – e que sustenta, dá forças – precisa ser prioridade. Precisamos conscientizar os gestores de que não existe possibilidade, pelo menos bem sucedida, de alcançar os mais altos degraus sem passar pelos pregressos. Penso que os profissionais – e a filosofia de – relações públicas têm um importante papel nesse sentido. Talvez sejamos a mola propulsora para chamar a atenção da gestão para a percepção de que a simples adoção de tecnologias digitais não é suficiente para garantir o sucesso de uma dita transformação digital. É necessário um olhar diferenciado, primordialmente, para gerenciar de maneira eficaz a comunicação organizacional para, consequentemente, garantir que os objetivos da transformação digital sejam alcançados.

Digo isso porque tenho notado, cada vez mais, que essa transformação tem exigido das organizações uma verdadeira integração de tecnologias digitais em todos os aspectos das suas operações e isto, claro, com o objetivo de melhorar a eficiência, a inovação e a experiência do cliente. Mas que, muitas vezes, a depender do contexto e clima organizacional, vê-se colaboradores que não tiveram a oportunidade de, antes de qualquer (r)evolução, serem ambientados ao negócio em si. Parece que a implementação de novos sistemas, a automação de processos e o tráfego pago na adoção de estratégias de marketing digital, entre outros aspectos, têm preponderado àquele básico, ao feijão com arroz que, talvez, esteja menosprezado, mas que representa vida e sobrevivência organizacional. Estou falando da essencial definição e engajamento aos objetivos estratégicos; das iniciativas e tarefas a serem executadas; dos recursos necessários.

Penso que ao mesmo passo que CPFs têm se distraído da vida real, focados em recortes fantásticos de uma vivência perfeita inalcançável, que corresponde aos segundos dos stories e aos caracteres de uma postagem, CNPJs estão cometendo o erro de acreditar que a transformação digital se resume apenas à adoção de novas tecnologias. Por mais que tenhamos reforçado incontáveis vezes que tecnologia é meio e não fim, contextos organizacionais incontáveis têm esquecido que (tudo) se trata de pessoas. Quando uma organização foca em parecer ser digital – entre outras coisas, ela até pode acelerar o processo de digitalização (não raras vezes investindo em soluções caríssimas), mas se negligenciar (re)conhecimento organizacional, alinhamento estratégico, identidade, imagem, clima e comprometimento organizacional como aspectos fundamentais que, lembremos, são refletidos no atendimento ao cliente, por exemplo, a aceleração só revestirá retrocesso. 

Penso que, enquanto relações-públicas, não devemos ser espectadores nos nossos locais de trabalho ou junto de nossos parceiros e clientes dessa e de quaisquer outras transformações. Podemos e devemos colaborar, por exemplo, na compreensão dos stakeholders, talvez investindo esforços numa ação de diagnóstico de suas necessidades, expectativas e preocupações em relação à transformação digital. Precisamos sempre lembrar o(a) gestor(a) de comunicar de forma transparente. E, nisso, atenção: é básico estabelecer uma comunicação transparente e eficaz sim, mas é vital o que ela promove: explicitação e potencial adesão aos objetivos da transformação digital, seus benefícios e os desafios envolvidos.

Precisamos, ainda, lembrar que, se responsáveis pela reputação, que se faz necessário o monitoramento da percepção pública da empresa durante o processo de transformação digital e, se preciso for, o acompanhamento na tomada de medidas para proteger e melhorar essa reputação. Acredito, ainda, que o mais importante é não abrirmos mão da nossa habilidade de colaborar internamente. Podemos, afinal, ser elo entre os departamentos para que consigamos contribuir na garantia de que todos estejam alinhados. 

Eu vejo que vivenciamos um momento desafiador, mas uma oportunidade de sermos agentes em prol do equilíbrio entre a tecnologia e a humanização. Afinal, quando falamos de transformação digital, se a encararmos enquanto uma perspectiva organizacional, devemos tê-la não como um fim em si mesma, outrossim enquanto meio para o alcance de incontáveis outros objetivos, todos alinhados ao propósito da organização.

A transformação digital e as relações públicas não são mutuamente exclusivas; pelo contrário, elas são complementares, desde que não esqueçamos do básico, do feijão com arroz bem feito: é essência, é equilíbrio e é valor nutricional. É o mesmo que, respectivamente, manter a autenticidade, acessibilizar e nutrir ao comunicar. Parece simples, mas exige preparo.

Liana Merladete é relações-públicas, empreendedora na área de Educação & Comunicação e Entretenimento Geek. Professora universitária, MBA em Gestão de Negócios, tem formação em Empreendedorismo e Coaching de Carreira, mestre em Tecnologias Educacionais em Rede, doutoranda em Comunicação e membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Institucional e Organizacional (POSCOM/UFSM/CNPq).