NOVA COLUNISTA: Luciana Goloni. A importância de relatar questões delicadas sem se expor no trabalho.

Há pouco mais de uma semana tive uma conversa com uma pessoa próxima e fiquei sabendo que ela tinha a percepção de que algo estranho estava acontecendo na empresa em que trabalha. Sua desconfiança era de que um determinado funcionário, em vez de repassar oportunidades de novos serviços a serem prestados pela empresa, estava usando tais oportunidades para uma outra pessoa jurídica, em benefício próprio.

Todos os indícios apontam para uma conduta suspeita e sabemos que, por uma questão ética, ela deve alertar o responsável a respeito. Porém, aí entram vários fatores importantes:

Ao fazê-lo, coloca-se o trabalho dessa pessoa suspeita em risco; não sabemos como será a recepção de quem vai precisar lidar com o que será revelado. No final, não se tem a dimensão exata das consequências para todos os envolvidos, sobretudo para quem revela a questão.

Por outro lado, não contar também é arriscado, pois há consequências pela própria omissão. Caso no futuro seja descoberto que a atividade suspeita já havia sido aventada, haverá o risco de o silêncio ser interpretado como uma quebra na confiança por se ter optado por uma posição diametralmente oposta ao interesse da empresa. Fato que custaria caro para o profissional que se omitiu.

Dito isso, existe uma forma extremamente útil para lidarmos com situações intrigantes assim. Como uma estudiosa da Comunicação Empática, o conselho que dei para essa pessoa próxima e que gostaria de compartilhar com vocês é o seguinte:

Quando precisar comunicar uma situação delicada dentro de sua empresa, procure a pessoa mais indicada para lidar com a questão e comunique-se seguindo uma premissa fundamental: seu relato precisa ser absolutamente isento de julgamentos.

E como se consegue isso?

Através da descrição da situação com o olhar de um observador independente, que fala tão-somente o que foi colhido e, principalmente, sem qualificar as pessoas envolvidas, ou seja, sem usar adjetivos ou ligá-las diretamente ao fato.

Exemplo prático:

Para a situação acima descrita, a tendência ‘comum’ de se contar o que houve seria assim: ”Eu soube, através do nosso prestador de serviços ‘André’, que uma terceira empresa, associada ao funcionário ‘João’, está se valendo da oportunidade da realização de serviços que deveriam ser ter sido repassados para a nossa empresa. Ao invés de repassar novas intervenções, como seria seu dever, ele colocou sua própria pessoa jurídica no lugar, usando nossa carteira de clientes e a oportunidade gerada por nós”.

Atente que, da forma comunicada acima, aponta-se – sem questionamento – que o funcionário João está envolvido na atividade suspeita, pois há dois julgamentos muito importantes na fala: em ‘valer-se de oportunidade’ e ‘como seria o seu dever’. Estes são julgamentos morais a respeito da conduta do funcionário.

Além disso, também se expõe o prestador de serviços ‘André’ – que foi a pessoa responsável por alertar a respeito da questão.

Desta forma, a pessoa passa a ter responsabilidade a respeito da maneira que ela conta a história e aponta a conduta de cada um em sua descrição.

À luz da Comunicação Empática, aplicando-se o primeiro preceito de uma comunicação eficaz e não-violenta, esse relato seria modificado para:

‘Através do acompanhamento dos serviços prestados, surgiu o nome de uma pessoa jurídica que está dando continuidade a serviços que poderiam ser executados por nossa empresa. Com o levantamento desses dados, tive acesso a documentos que gostaria de mostrar. Veja qual será a melhor forma de confirmar isso e de proceder, caso realmente outra empresa esteja realizando os serviços que deveriam ser indicados para a nossa’.

Note a grande diferença entre as abordagens e o quanto a própria pessoa consegue se preservar no segundo exemplo e ser ética ao mesmo tempo. Tal cuidado deve ser replicado para qualquer situação e, claro, pode ser aplicada não somente em nosso trabalho, mas também em nossa vida pessoal.

Vou mostrar em próximas publicações como podemos fazer isso em nossa vida privada com exemplos práticos como fiz neste texto. O mais importante é conseguirmos notar as diferenças entre as duas abordagens.

Na primeira foram apontados nomes e ações com juízo de valor a cada um. Na segunda, não foram citados nomes e a suposta irregularidade foi trazida com leveza através de um levantamento. Além disso, deu-se a oportunidade de aprofundamento e checagem do responsável pela decisão sobre como resolver o tema.

A mensagem que deve ficar clara é:

Quando evitamos julgamentos a respeito de outros, evitamos um olhar crítico de volta sobre nós mesmos, diminuímos a chance de reatividade de quem nos ouve e evitamos um sem-número de conflitos.

E, afinal, não é exatamente uma vida sem conflitos que todos buscamos?

Luciana Goloni é palestrante e consultora em Comunicação Empática. Professora do IDCE Escola de Negócios, é pós-graduada em Negócios Internacionais pela UERJ.