NOVA COLUNISTA: Diana Leiko - Existe vida além da tela.

No dia 3 de outubro, ocorreu em Brasília o evento “Tendências da publicidade digital para o setor governamental”, promovido pelo IAB Brasil (https://iabbrasil.com.br/). Alguns dados da pesquisa Kantar IBOPE Media (*) vieram ao encontro do que há tempos venho me questionando: se a tecnologia veio para nos ajudar (não é isso que ouvimos constantemente?), por que estamos tão cansados?

Entre tantos dados sobre o impacto da pandemia na descoberta e aceleração da digitalização e quais as suas consequências na publicidade digital, um me chamou especial atenção: 58% das pessoas entrevistadas se sentem perdidas sem o seu smartphone. Nesse momento, senti que era a hora de organizar as ideias e transformá-las em um texto que, espero, faça sentido para você que está me lendo. Eu me sinto perdida por causa do smartphone e o excesso de estímulo que está atrelado a ele.

A tecnologia pode evoluir o que for, nunca deixaremos de ser humanos. Embora existam forças externas nos pressionando constantemente para que nos transformemos em máquinas de produção em série. Não somos e faço um apelo ao meu leitor para que não aceite essa imposição.

Em março de 2023, durante o South by Southwest (SXSW), maior evento de inovação do mundo, a inteligência artificial foi a principal estrela.  E tem sido um tema amplamente debatido nos principais eventos de tecnologia no Brasil e mundo afora. O que uma das correntes que defende o uso da AI afirma é que ela veio para nos auxiliar. Será? Qual produto vai surgir do fato de ela, supostamente, otimizar o nosso tempo? Mais produtividade? Se olharmos por esse ângulo, sim. E mais cansaço. Será, então, que a AI é mesmo uma tábua de salvação?

Esse texto é autorreferencial. Não virei adepta do burnout por insistência. É uma luta diária acordar às 5 horas para ir à academia, porque foi o único horário que consegui encaixar na minha agenda sem correr o risco de ser vencida pelo cansaço. E pelos mil e-mails, duas mil mensagens de WhatsApp, quinhentas notificações de redes sociais, enxurrada de demandas de todos os tipos que me alcançam a qualquer hora do dia pelo smartphone e me consomem física e emocionalmente. Às 5 horas da manhã, as pessoas dormem, e eu tenho paz.

Levantamento da NordVPN (agosto de 2023 ), um especialista em cibersegurança revela que brasileiros passam em média 91 horas semanais na internet, o que equivale a quase quatro dias por semana. Num contexto mais amplo, são 197 dias por ano, ou seja, mais de 41 anos. Considerando que a expectativa média de vida da população no país é de 75,9 anos, isso representa mais da metade de suas (nossas) vidas.

Onde vamos chegar com essa hiperconectividade? A ideia aqui não é colocar a tecnologia como vilã, mas promover uma reflexão sobre como nós devemos lidar com ela para não sermos engolidos por ela. É claro que ela também nos impactou positivamente. Um exemplo recente foi a pandemia. O que seria da quarentena sem a possibilidade de nos comunicarmos com nossos amigos e parentes por meio de videoconferências, ligações pelo WhatsApp ou interações pelas redes sociais?

É inegável que nada teve uma mudança tão significativa no nosso comportamento, nas nossas atitudes, nos nossos relacionamentos sociais e familiares como foi depois do advento das tecnologias, sobretudo dos anos 1990 para cá. E que elas vieram para nos dar prazer, liberando endorfina, dopamina e serotonina no nosso cérebro, hormônios responsáveis pelo nosso bem-estar – mas a nossa felicidade não pode estar atrelada apenas ao uso de um smartphone.

A nossa vida, hoje, é muito mais on-line do que off-line. Todos os dados que me foram apresentados durante o evento do IAB, durante o ProXXima deste ano e outros tantos dos quais participei, e que eu mesma uso nas defesas das minhas apresentações no cargo que atualmente ocupo, corroboram com essa afirmação. Como resultado, nos tornamos mais passivos ao conteúdo a que somos expostos, menos críticos e mais manipuláveis.

Meu convite, no entanto, é que você use a tecnologia de maneira consciente. Que ela não roube momentos preciosos de olho no olho, de conversa presencial, de intimidade com os seus. Que ela não faça esquecer quem você é, em nome da produtividade. Que ela não transforme você em estatística de casos de burnout (palavra da moda). Que ela não tire de você a lucidez para saber o momento certo de usar o benefício da dúvida. E, principalmente, que ela não leve de você aquilo que nos torna tão especiais e únicos: sermos humanos. O tempo de tela deve melhorar nossas vidas, não prejudicá-las.

Nós precisamos de válvulas de escape para nos desconectarmos do mundo digital, por exemplo: vida social ativa, exercícios ao ar livre ou na academia, contato com a natureza, passeios, leitura de livros, viagens. E por falar nisso, me despeço com um até breve. Saio de férias nesta semana e sigo aqui no meu esforço diário de investir mais na vida real do que na vida virtual. Que eu consiga desconectar o cabo na minha nuca que, no meu dia a dia, me conecta a máquinas, numa clara referência ao futuro distópico de Matrix, cada vez mais semelhante com a nossa realidade.

(*) Target Group Index – TG BR 2023 R1 Pessoas vs TG BR 2022 R3 Pessoas.

Diana Leiko é jornalista senior com especialização em redes sociais e assessoria de imprensa. Atuou nas principais agências de comunicação do Brasil, onde atendeu clientes dos mais variados segmentos, na iniciativa privada e no governo.