Nem tudo o dinheiro pode pagar. Por Juliana Fernandes Gontijo.

A sessão havia terminado e saí rapidamente do palco para cumprimentar o público composto por muitas crianças: era uma peça de teatro infantil. Todas queriam abraçar o coelho e os outros bichos da história que se passava numa floresta.

O público não havia saído totalmente do teatro e eu também já saía sem me trocar. Não, eu não me esquecera de tirar o figurino. Naquele momento estava começando outro trabalho: o de divulgação. Fazer panfletagem é algo bastante comum para muitos atores de teatro. Trabalho cansativo, como alguns mesmo dizem: Ah… panfletar, nunca!

Fazer o quê? É preciso conquistar o público para trazê-lo ao teatro.

Era fim de tarde, em janeiro de 2006. Férias escolares e início do fim de semana. Sol quente, mesmo por volta das 19 horas, possivelmente uns 30 graus no extinto horário de verão. Roupa de pelúcia e maquiagem cobriam meu corpo. Um “forno”, mas eu adorava assar dentro dele. Precisei andar alguns quarteirões até chegar ao destino principal: a Praça da Liberdade, um dos vários pontos turísticos da capital mineira.

É comum, neste horário, a movimentação da muitas famílias para uma boa caminhada. Contudo, as crianças fazem a alegria da praça. Às vezes, voltamos à tão sonhada infância… Não existia coisa melhor do que não ter nada a fazer, a não ser brincar.

Como de outras vezes, cheguei à praça, exausta e muito suada, mas isso não importava. Não é preciso procurar as crianças, ao sinal de algo diferente no local, elas vêm correndo. Uns se assustam, os adultos acham interessante; outros acham uma idiotice; alguns adolescentes, engraçado, e quem se divertem, de verdade, são as crianças. Aí surgem perguntas como: “Você não está sentindo calor, não?”… ou “Como é que está aguentando esse Sol quente?”. Fato: eu quase morria de tanto calor. Entretanto, o mais legal disso tudo é permitir a fantasia na cabecinha desta gente miúda.

Na faixa de 2 ou 3 anos, era preciso tomar cuidado, chegar “devagarinho”, ou até mesmo ficar de longe. Será que algumas crianças pensam que o “bichinho”, neste caso, o coelho, é um monstro? Para muitas, não. Ou é realmente estranho ver um coelho andar igual gente, diferente do animal?

Os adolescentes, vez por outra, pediam para tirar foto “com ele”. Eu gentilmente colaborava, mas não perdia o objetivo principal na praça: a divulgação da peça. Nem imagino quantas fotos e muitas delas na época, possivelmente, chegaram ao Orkut.

Houve dias em que não tive tempo de me vestir de bicho e fui “à paisana” mesmo – e não tinha a mesma graça. O objetivo do personagem é chamar à atenção das pessoas, atraindo-as assim ao teatro. A personagem convence as crianças a assistirem à peça.

É claro que, assim como os adolescentes queriam tirar foto, pais e mães queriam uma lembrança do coelho com os seus filhos e era uma festa só. Vez por outra, aparecia um menino para puxar o rabo; outro, com certo receio e, sob insistência da mãe, queria saber se a orelhas eram verdadeiras. Os olhos das crianças brilhavam, muitas queriam abraçar e beijar o bichinho: isso é uma maravilha. A fantasia é algo mágico! Não existe algo melhor que a arte da interpretação, principalmente, para as crianças. Permitir o lúdico para elas, por meio do teatro, é simplesmente fantástico.

Todo o fim de semana era a mesma rotina na sexta e no sábado: terminada a sessão, ia até a praça e ficava por lá mais ou menos uma hora junto com outras pessoas da produção.

Numa tarde de sexta-feira, porém, o inesperado aconteceu e não foi na Praça da Liberdade. Ao fazer os agradecimentos ao público no final da sessão; da plateia, uma jovem senhora pedia insistentemente que eu descesse do palco para conversar com ela. É rotina dos atores irem até o foyer para que as crianças os vejam de perto. De repente, eis que a mesma senhora com uma linda garotinha entrega-me uma foto. Aí veio a surpresa: era o coelhinho, a mãe e sua filha na Praça da Liberdade. A foto tinha até dedicatória.

Ninguém faz idéia de como fiquei emocionada. Infelizmente, eu só consegui abraçar a garotinha novamente, tirar mais uma foto com ela e agradecer à mãe aquele lindo gesto de carinho. No meio de muitas pessoas, elas se foram instantes depois. Eram sorrisos e mais sorrisos no meu rosto dentro do camarim, mas certa decepção por não ter se lembrado de uma caneta para futuro contato.

Fiquei pensando em como faria para encontrá-las novamente (uma probabilidade remota) e qual gentileza lhes poderia fazer? Uma cortesia para uma próxima peça não seria nada mal!

Dois dias depois, enquanto estava me dirigindo para outro teatro trabalhar em outra peça da mesma produção, pensava “com meus botões” em como agradecer às minhas primeiras fãs, mesmo se não as visse nunca mais. Poderia ser uma mensagem no Orkut, postando a foto ou recadinho em programa de rádio… E para minha surpresa, na porta do teatro, lá estavam as duas. Meus olhos brilharam; não me contive de tanta alegria. Se me recordo bem, minhas palavras foram estas:

– Não acredito em quem está aqui. Não se lembra de mim não? – A mãe achou aquilo meio estranho, afinal ela nunca havia me visto. Uma pergunta, digamos, idiota. Muito prazer, eu sou o coelhinho… Eu tive vontade de chorar, porém não o fiz. Abracei a mãe e dei um beijinho na garotinha…

Ninguém pode imaginar minha felicidade ao revê-las. Eu disse a ela que não existe dinheiro no mundo que pague uma gratidão como aquela. Ela me disse que quando fosse assistir à peça faria questão de levar a foto revelada para me entregar em mãos. Aquilo ainda me deixou mais encantada com uma das profissões que escolhi. Trocamos telefones e nos tornamos grandes amigas.

Hoje, 16 anos depois, agradeço novamente o carinho ao escrever estas singelas linhas em homenagem a Iza Santana, a mãe, e sua filha, Sarah.

Guardo a foto como um troféu. Para sempre, lembrarei de que gratidão e carinho do público dinheiro nenhum no mundo vai pagar.

Coincidência… atualmente, Sarah estuda cinema e Iza é escritora e formada em Jornalismo, assim como eu. Vejo que, de alguma forma, nossos destinos foram cruzados nessa vida! Sou imensamente grata por isso!

Foto de arquivo pessoal: Eu, Iza e Sarah.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.