MONÓLOGOS FILOSÓFICOS - Sobre como matamos nossos filhos.

Uma das cenas mais corriqueiras da vida escolar hoje tem sido a dos casos de ansiedade, síndrome do pânico e tentativas de suicídio. Quando não, a própria execução destes.

Comportamentos tão recorrentes nas escolas da classe média que trabalhei e trabalho não podem ser fruto do acaso, e não são. Considero fortemente a hipótese de que nossos adolescentes, de maneira direta ou não, sofrem a pressão da vida minimamente estável conquistada por seus pais. Inconscientemente (ou por imposição mesmo) assumem o compromisso de ‘se dar bem’ na vida e o resultado desse propósito, instituído de fora para dentro, é de são pessoas doentes e infelizes.

Sobre esse tema, assisti outro dia o filme ‘Se enlouquecer, não se apaixone’. Nele, um garoto com tendências suicidas resolve buscar ajuda. É assim que Craig se vê em um hospital psiquiátrico e o que não espera é de fato uma internação com pessoas ‘loucas’ e adultas (a ala dos adolescentes estava fechada para reforma). Entretanto, são esses contatos que começam a dar a ele uma dimensão mais ampla sobre a vida.

O que sabemos logo no início é que Craig tem plena consciência de que não carrega traumas familiares ou problemas de interação em seu meio (bullying, por exemplo). Ele é um personagem carregado do estereótipo de um adolescente americano classe média - estuda numa competitiva escola de Nova York, apaixonado por uma colega da turma (namorada do melhor amigo), e que sente vergonha da sua condição psíquica…

Durante sua internação, que dura cinco dias, ele resgata das suas memórias experiências que deixou guardadas (ou escondidas) por anos. É assim que (re)descobre uma criativa imaginação na produção de cenas a partir de seus próprios desenhos. Ao longo das sessões percebe, também, que houve um tempo em que a vida era leve e era fácil ser feliz  -  ele fora, um dia, alguém despreocupado com o que lhe acontecia…

Seu esclarecimento sobre si mesmo segue se ampliando e ele percebe a dimensão do que está acontecendo: olhando para dentro de si, passa a se ver como alguém capaz de infinitas habilidades. Todas elas reconhecidas, primeiro internamente, e mais tarde, admitidas como parte de um mundo real de possibilidades. O mais bonito disso?  Quando ele se autoriza a torna-se brilhante!

Craig também descobre que a vida nem sempre vai lhe dar o que quer e que pode falhar consigo mesmo. Por isso é importante um processo permanente de superação: ‘Se não está ocupado nascendo, está ocupado morrendo’  –  dizem a ele.

Em meio às reviravoltas que passa a viver desde que chegou ao hospital, o menino reconhece o prazer onde outrora via a inexistência de sentido e de valor. É a arte, a partir do desenho e da música, ganhando lugar no mundo daquele garoto e trazendo a ele a possibilidade de rever a si mesmo. Craig descobre, na leveza dessas coisas, um sentido; descobre que não precisa ser e fazer o que todos esperam, querem e imaginam que deve ser feito por ele. Reconhece, como parte de seu processo de desvelamento, o quanto a atenção e o cuidado com o outro pode nos trazer conforto e estabilidade emocional, e que as motivações para realizar as pequenas coisas é a motivação para realizar o que dá sentido à vida.

O protagonista de ‘Se enlouquecer, não se apaixone’, nos mostra a realidade das imposições familiares, institucionais, sociais, como modos muito bem definidos de ser e estar no mundo. Ele nos faz perceber o quanto adoecemos (e cada vez mais adoecemos) quando abafamos o que realmente faz sentido para a nossa existência. E, principalmente, nos dá a dimensão do mal do século  -  a instrumentalização do pensar e do ser.

Imagem: Pixabay.

Quem sou: Roberta Melo, graduada, especialista e mestre em Filosofia; professora com quase 15 anos de carreira; autora do livro ‘Ressentir ou Afirmar? Perspectivas nietzscheanas sobre a dor’, editora Appris, 2018; autora de verbetes de Filosofia na Enciclopédia virtual ‘knoow.net’; apresentadora de vídeos sobre Filosofia no canal ‘Sopro de Atena’ (https://www.youtube.com/soprodeatena).