MONÓLOGOS FILOSÓFICOS - Quando a gente cabe num livro.

Um dos “presentes” que Francisco, meu filho de 8 anos, me pediu p’ra esta semana do Dia das Crianças era me acompanhar na escola por um dia. Pedido realizado com louvor! Chegamos cedo, organizamos tudo e, por fim, sala de aula. Pedi para se sentar-se no fundo da sala. Não queria que atrapalhasse, mas ele me pediu p’ra se sentar numa cadeira bem no meio, entre os alunos e alunas. Acabei autorizando.

Por ali ele ficou, ora montando suas peças de lego, ora jogando no meu celular, mas frequentemente fazia uma pequena intervenção. Como um aluno que só parece distraído, ele brincava e participava da aula com um “sim”, “é”, “eles não vão escrever?”…

Minha aula era sobre Nietzsche. Uma abordagem que tratava da visão do filósofo sobre a crise da modernidade e suas origens. Falava também do olhar de Nietzsche para exaltar alguns elementos do passado que se perderam a partir da valorização do pensamento socrático-platônico e que poderiam, de certa forma, serem resgatados como princípios para uma vida afirmativa.

Eu dizia que Nietzsche valorizava a noção de devir, lá dos pré-socráticos, mais especificamente de Heráclito. Falei que assim como Heráclito, Nietzsche afirmava o óbvio: que a vida é mudança, passagem, caminho; e que quando a gente entende e consegue viver nesse fluxo a vida fica mais leve, porque não ficamos agarrados querendo o mesmo que já foi. Segui citando um exemplo pessoal e disse a eles que a sala de aula, particularmente, me revigorava porque ela é p’ra mim puro fluxo. Tem começo, meio e fim e é bom quando começa, quando está no meio e quando termina tudo bem. Eu sei, entendo e aceito que tem que terminar. O fluxo segue, a vida segue.

Era esse o ponto da aula quando Francisco mais uma vez interveio. Ele levantou a cabeça e me perguntou: é como um livro né, mãe?

Eu respondi encantada com a simplicidade e esperteza da criança: é exatamente isso, filho! Exatamente isso…

Foi bonito ouvi-lo no auge dos seus 8 anos participando da minha aula numa das mais simples e profundas questões filosóficas: o vir-a-ser de todas as coisas. Onde a vida passa, começa e termina como uma história, como qualquer história que poderia estar num livro.

Quem estou eu: professora de Filosofia; autora do livro “Ressentir ou afirmar? Perspectivas nietzscheanas sobre a dor”; colunista do Observatório da Comunicação Institucional; colaboradora da página knoow.net com verbetes de Filosofia, e apresentadora de vídeos sobre Filosofia nos canais “Sopro de Atena” e “Monólogos Filosóficos”. Site oficial: www.profrobertamelo.com.br