LITERATURA E SUSTENTABILIDADE - O vampiro, a polaquinha e o antropoceno. Por Joema Carvalho.

Os personagens dos contos presentes no livro ‘O Vampiro e a Polaquinha’, de Dalton Trevisan, caracterizam-se por uma relação intrínseca com o ser humano derivado e/ou vítima do antropoceno.

Seres humanos acostumados ao ruído de um contorno de rodovia, durante 24 horas diárias, mas que se irritam com a zoeira dos pássaros as cinco horas da manhã, acordando com o dia. O lixo urbano nas calçadas é algo que não agride. Constituem um cenário típico e comum. Porém, as folhas, flores e frutos das árvores que caem sobre as calçadas, as casas e os carros, incomodam, sujam. Sendo assim, necessário o corte delas, em função deste ‘impacto visual’ e ‘dano’ sobre o patrimônio. A palavra ‘sustentabilidade’ ainda não fora inventada, não se reconhece no léxico destes personagens. Estão adaptados à fumaça fétida que sai da chaminé de fábricas e jamais ao ar filtrado do alto das montanhas. Residem no entorno de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), consomem o cheiro pútrido deste ambiente, sem incomodo algum.

Estes personagens encontram-se na família, na vizinhança, como colega de universidade ou trabalho. Eventualmente, aqueles que são noticiados pela imprensa e, de repente, você se assusta com a brutalidade. Estão no nosso dia a dia, de uma forma ou de outra, aceitos na sociedade, comuns.

Personagens que fazem jogos sociais para se inserirem em uma pseudofamília, em um determinado rol de relações. Posteriormente, pelas costas, exprimem a sua verdadeira intenção, um envenenamento, após a conquista do seu objetivo, ironizando a vítima.

Os personagens de Dalton entendem remanescente urbano como local adequado para lixo e tráfico. Cenário propício para realização de estupro coletivo, onde pessoas mais fortes e de status, se apossam de vulneráveis, ‘vampiros e polaquinhas’ ou ‘negrinhas’. É nítida a questão social e do preconceito generalizado. Homens enquanto sinônimo de covardia.

Retratam jogos de casados que em troca de sexo promovem o cargo da mocinha recém-contratada, ‘vampiros e polaquinhas’ ou ‘negrinhas’. Homens enquanto sinônimo de covardia, mulheres enquanto sinônimo de vagabundas.

No pescoço, um crucifixo como de praxe. Os sete pecados capitais: uma cartilha didática a ser seguida. Os 10 mandamentos, inerentes a qualquer princípio religioso, um ponto de partida para tudo aquilo que pode ser feito ao contrário. Estar no inferno, um balsamo. A luz, qualquer coisa que ofusque, que agride e que faz mal, devido a sua falta de consciência e percepção.

Personagens que se adaptam ao aglomerado humano, como rebanho. Indivíduos em pasto ou em shopping centers ou empilhados em condomínio ou favelas, em perfeita harmonia com o desequilíbrio.

Noção zero de humanidade. Noção zero de sentido de coletividade e conjunto. O ego e o domínio ditando as regras, desconectados dos sentidos mínimos de quem está vivo. Aqueles que jamais entrarão em contato com outras possibilidades de sentir, como os mais de 20 sentidos atribuídos a uma árvore.

Os contos do autor acontecem em linguagem fluida e polida. Em alguns momentos, alguns trechos se repetem, no sentido de não nos deixar esquecer a que ponto chegamos. Escancara o pior, aceito e instituído. O psicopata amigo que nos seduz com gentilezas e mentiras e que aceitamos todos os dias. Uma sociedade doente, que cada vez mais acaba com a individuação e com a coletividade, transformando seres sencientes em vermes que manipulam como forma de se manter vivo neste momento geológico.

Dra. Joema Carvalho é Engenharia Florestal, perita e escritora. Sócia-diretora da Elo Soluções Sustentáveis, atuando com consultoria ambiental e sustentabilidade.